terça-feira, 7 de outubro de 2008

Chicão, caipira que se impunha

Francisco Jenuíno Avanzi, o volante Chicão, sonhava ser treinador de futebol de clube médio, após experiências passageiras por XV de Piracicaba, Inter de Limeira, Clube Atlético Montenegro e Paranapanema, todos do interior de São Paulo.
E teria muitas histórias para contar aos subordinados, a começar pela perseverança na carreira, que se arrastou até 1986, aos 37 anos de idade, quando foi o condutor da campanha de acesso do Mogi Mirim (SP) ao Paulistão.
Chicão também poderia contar que no último ano de carreira estava sem os quatro meniscos, e que em 1977, na decisão do Campeonato Brasileiro contra o Galo mineiro, maldosamente pisou na perna quebrada do meia Ângelo (já falecido), do Atlético (MG), só por suspeitar que estivesse fazendo “cera”. A brutalidade ocorreu após entrada do são-paulino Neco sobre o atleticano, que resultou em fratura.
Pois é. Não deu tempo para Chicão realizar o sonho. Morreu na madrugada do dia 8 de outubro, aos 59 anos, vítima de câncer no esôfago.
Chicão, natural de Piracicaba (SP), mantinha o indisfarçável sotaque caipira, carregando no “erre”. Nos últimos anos optou pelo rosto lambido ao vasto bigode.
Seus amigos contam que décadas passadas entrou em uma loja de São Paulo e, ao pagar a conta, “tropeçou” no preenchimento do cheque ao grafar a palavra sessenta cruzeiros. Detalhe: após preencher o extenso incorretamente duas vezes, optou por assinar dois cheques de trinta cruzeiros para liquidar o assunto.
Chicão foi o admirável xerife que colocava ordem na casa. Nos tempos em que a “juizada” contemporizava antes de mostrar cartão amarelo ou vermelho para jogadas violentas, o volante não perdia “viagem” nas divididas: desarmava ou apelava para as faltas.
Provocativo, Chicão tentou intimidar o ex-árbitro José de Assis de Aragão antes de um clássico com o Palmeiras, em 1976, e recebeu o cartão amarelo antes mesmo do início da partida. “Cheguei pro Aragão e disse: ‘Vê se apita direito essa porcaria’”, confessou.
A história de jogador viril começou no XV de Piracicaba, lançado pelo técnico Cilinho. Passou por União Barbarense (SP), São Bento (SP), Ponte Preta, São Paulo, Atlético (MG), Santos e Mogi Mirim. No tricolor paulista, a partir de 1973, jogou ao lado de Waldir Peres, Gilberto Sorriso, Pedro Rocha e Serginho Chulapa. Sagrou-se campeão paulista em 1975 e no Campeonato Brasileiro em 1977.
Integrou o selecionado brasileiro na Copa do Mundo de 1978, na Argentina, e, na véspera do jogo contra os anfitriões, o técnico Cláudio Coutinho (já falecido) lhe chamou num canto e comunicou que seria escalado ao lado do gaúcho Batista para reforçar a marcação do meio-de-campo.
- Chicão, você vai jogar do jeito que está acostumado no São Paulo. Só tome cuidado para não ser expulso - alertou Coutinho.
Mal o treinador virou às costas, Chicão confidenciou aos companheiros: “Vou chegar arrepiando e esses gringos vão se encolher”.
Na prática, foram apenas algumas “entradas” intimidadoras sobre adversários. Naquele dia, Chicão jogou muita bola e o Brasil arrancou um empate sem gols. Pena que na seqüência da competição, por desvantagem no critério saldo de gols, os brasileiros perderam a vaga para os platinos e voltaram pra casa mais cedo.
Engana quem pensa que Chicão só “batia”. Tinha um bom passe.

Nenhum comentário: