domingo, 25 de janeiro de 2015

Câncer derrotou o bom goleiro Neneca

 O músico, compositor, intérprete e sobretudo pensador Cazuza deixou esta frase para reflexão: ‘A vida é bela e cruel despida. Tão desprevenida e exata que um dia acaba’. Embora a morte seja um processo natural da vida, é inaceitável até para aqueles que sucumbem em decorrência da progressão da enfermidade.
 Morreu na madrugada deste dia 25 de janeiro o ex-goleiro Hélio Miguel, conhecido nacionalmente nos meios esportivos como Neneca, vítima de um câncer sanguíneo incurável que afeta a medula óssea e rins. Internado no Hospital do Câncer de Londrina, sua cidade natal, era submetido a sessões de quimioterapia e medidas paliativas da medicina para amenizar dor e desconforto. Sabia-se, todavia, que nada impediria o avanço da doença até o ponto sem retorno à normalidade.
 Diante do quadro irreversível, de certo o próprio Neneca interpelou ao Deus misericordioso que o conduzisse à morte. Assim, restou-lhe uma história rica e impagável como atleta. Ele será eternamente lembrado pelo torcedor bugrino por ter participado do time do Guarani campeão do Campeonato Brasileiro de 1978. Trazido a Campinas pelo então treinador Diede Lameiro em 1976, só deixou o clube em 1980 ao se transferir para o Operário (MS).
 No Guarani atravessou a melhor fase da carreira. Em razão da compleição física avantajada, 1,82m de altura, pautava por arrojada saída da meta nas bolas alçadas contra a sua área. Raramente era traído por bolas defensáveis e, como se recomenda a todo bom goleiro, em quase todas as partidas ainda pegava uma ou duas bolas tidas como impossíveis.
 Não bastasse tudo isso ainda era um líder dentro e fora de campo. No gramado comandava aos gritos, se necessário, o quarteto defensivo. Nos bastidores tinha sabedoria para apagar ‘focos de incêndio’ no grupo. Dialogava de forma transparente com membros da comissão técnica, e era um dos interlocutores dos boleiros com cartolas para quaisquer reivindicações.
 A regularidade na meta do Guarani resultou em 778 minutos sem sofrer gols no ano do título nacional, marca que supera os tempos de América Mineiro quando ficou 537 minutos sem que fosse vazado. Neste quesito, nada se compara à passagem no Náutico no biênio 1974-75, quando não tomou gol durante 1.636 minutos.
 Curioso é que a intenção de Neneca era jogar no ataque em times da molecadinha do Paraná. Como se aventurava como goleiro nas decisões por pênaltis, percebeu que tinha aptidão ali e ficou.
 Com propensão para engordar, a carreira entrou em declínio ao deixar o Guarani. Ainda perambulou por Operário (MS), Bragantino e o encerramento ocorreu no Votuporanguense em 1989. Depois disso participou de escolinhas de futebol.


Driblador Paulo Egídio parou cedo

 O futebol é caprichoso e surpreendente. Quem diria que os irmãos Paulo Egídio Bertolazzi de Nelson Bertolazzi, ambos revelados pelo Botafogo de Ribeirão Preto (SP), fossem jogar juntos em Portugal? Pois o sonho desses paulistas nascido em Pradópolis se concretizou em 1988. Paulo Egídio, ponteiro-esquerdo rápido e hábil, fazia jogadas de fundo de campo e transformava-se num preparador de lances para Nelson, a exemplo de que fizera ao longo da carreira para tantos outros atacantes no Corinthians, Vasco, Ponte Preta e Joinville, até então.
 A carreira de Paulo Egídio havia preparado algo especial na próxima parada: o Grêmio portoalegrense em 1989. No primeiro ano de clube já colocou a faixa de campeão da Copa do Brasil, e na temporada seguinte arrasou na goleada sobre o arqui-rival Inter por 4 a 1, na final do Campeonato Gaúcho.
 Aquelas pernas curtas distribuídas num corpo de 1,69m de estatura e 72 quilos infernizaram adversários e despertaram atenção do então treinador da Seleção Brasileira, Paulo Roberto Falcão, que o convocou em 1990. Pena que logo na estréia o time brasileiro foi goleado pela Espanha por 3 a 0.
 A partir dali uma sequência de lesões em joelhos implicou em três cirurgias, tirou-lhe aquela explosão e o fez perder espaço no Grêmio, com conseqüente repasse por empréstimo ao Atlético Mineiro, clube que não repetiu o bom futebol. Desta forma, restou-lhe a escolha de encerramento de carreira no clube que o projetou, caso do Botafogo (SP) em 1994, aos 30 anos de idade.
 Depois Paulo Egídio entrou para as seções memórias do futebol e passou a explicar que recusou convocação à Seleção Brasileira de Juniores para o Torneio de Toulon, na França, porque o objetivo era se fixar como titular do Corinthians em 1983, num time que no clássico com o Flamengo de Zico foi goleado por 5 a 1 com estes jogadores: Emerson Leão; Alfinete, Mauro, Daniel Gonzáles e Wladimir; Wagner Basílio, Sócrates e Zenon; Eduardo Amorim, Vidotti e Paulo Egídio.
 A passagem de seis meses pelo Vasco, ao se desligar do Corinthians, é para ser esquecida. Atuou num time formado por Acácio; Galvão, Daniel Gonzáles, Nenê e João Luís; Serginho, Geovani e Marquinhos; Ernani, Roberto Dinamite e Paulo Egídio.
 Como cigano da bola ainda passou por Ponte Preta, Joinville e Boa Vista antes de atingir o auge da carreira no Grêmio. E quando parou de jogar ainda tentou ser treinador de futebol, com passagens por Botafogo, Comercial (SP), Francana e Paranavaí, porém sem sucesso.
 Hoje, na iminência de completar 51 anos de idade em fevereiro, seu último histórico de notoriedade foi como secretário de Esportes da pacata cidade paulista de Dumont, que conta com apenas sete mil e quinhentos habitantes.


Zé Sérgio, ídolo como atleta e técnico com fracassos

 Um dos enigmas do futebol é que jogadores talentosos do passado não necessariamente vingam como treinador. O ponteiro-esquerdo Zé Sérgio, ídolo de São Paulo e Santos, inserido entre os 20 melhores atletas da posição de todos os tempos no cenário brasileiro, é um deles. Como comandante de grupo foi demitido sumariamente das categorias de base do tricolor paulistano em 2012, após empate diante do Sergipe e derrota para o Barueri na Copa São Paulo. Agora, como treinador dos juniores da Ponte Preta, é alvo de críticas por ter conquistado apenas um dos nove pontos em disputa na primeira fase da competição.
 Em comum, nas duas situações, foi não assumir culpa pelo debacle, preferindo transferir responsabilidade aos seus jogadores. Logo, continuará lembrado como atleta pelo estilo semelhante ao seu ídolo Edu Jonas das décadas de 60 e 70, do grande Santos. Impressionava pela gingada e drible. E além de assistente de centroavantes, também concluía jogadas quando entrava por dentro.
 José Sérgio Prestes, primo do ex-craque Roberto Rivelino, jogou no São Paulo de 1975 a 1983, período que colecionou três títulos: Campeonato Brasileiro de 1977 e Paulistão de 1980/81. Convocado à Seleção Brasileira à Copa do Mundo da Argentina de 1978, parte da imprensa cobrava do treinador Cláudio Coutinho (já falecido) que o fixasse como titular, mas a preferência recaiu sobre Dirceu (também falecido), que fazia o quarto homem de meio de campo e compensava pela combatividade.
 Zé Sérgio só não foi à Copa do Mundo de 1982, na Espanha, por causa de uma contusão no joelho, a segunda maior frustração na carreira de atleta. A primeira foi uma acusação injusta de que teria se dopado por ocasião de uma partida do São Paulo contra a Internacional de Limeira em 1980. Punido preventivamente após ingerir o remédio Naldecon, a decisão foi revogada pelo Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Futebol, que reconheceu a sua inocência.
 Mais dois títulos estaduais estavam reservados na carreira dele: paulista pelo Santos em 1984 e carioca no Vasco em 1987. Depois ainda brilhou no Nissan do Japão por pouco mais de dois anos. Aí,
joelhos extremamente comprometidos por duas cirurgias eram indicativos de que a carreira chegava ao final aos 33 anos de idade. Inadmissível, contudo, era ficar fora do meio. Por isso aceitou convite para ser coadjuvante de treinador daquele clube japonês e começou a aprender os macetes de comandante de grupo.

 De volta ao Brasil aderiu ao grupo de Atletas de Cristo, a convite de seu ex-companheiro Muller. E testemunhou graças obtidas através da palavra de Deus como a montagem de moderníssimo centro de treinamento para abrigar escolinha de futebol em Vinhedo (SP). Depois foi treinar equipes de juniores em clubes.

domingo, 4 de janeiro de 2015

Juary, talento da primeira leva dos Meninos da Vila

 Com o Santos atolado mais uma vez em dívidas, a diretoria do clube não tem outro caminho a recorrer se não garimpar nas categorias de base em busca de moleques bons de bola, como historicamente tem ocorrido. Ainda há confiança neste projeto apesar da redução de investimentos no setor. De setembro de 2013 a maio do ano passado foram cortados 101 atletas, e isso representou economia de R$ 112 mil apenas em alimentação.
 Se em 2014 o Santos extraiu da base atletas como Gabriel e Geuvânio, no final da primeira década do século explodiam na Vila Belmiro garotos como Neymar, Paulo Henrique Ganso, André e Wesley. E, não fugindo da tradição de revelar talentos, em 2002 o Santos mostrou ao país jogadores da qualidade do meia Diego e atacante Robinho.
 Evidente que quantitativamente nada se compara ao ano de 1978, quando o Santos revelou talentos corretamente denominados ‘Meninos da Vila’ pelo treinador da época, o saudoso Chico Formiga. Sem recursos para investimentos, o então supervisor Zito ordenou que se recorresse à molecada, e aquela aposta resultou na conquista do título paulista da temporada.
 O ‘pelezinho’ daquela safra foi Juary Jorge dos Santos Filho, nascido no interior do Estado do Rio de Janeiro em junho de 1959, que ainda entre os juvenis santistas mostrava indícios que brilharia na Vila. Tanto brilhou que inventou forma singular de comemorar gols: dança em volta da bandeira de escanteio, gesto repetido por Neymar ao atingir a marca de 101 gols com a camisa santista, número cravado por Juary ao se desligar do Santos para jogar na Itália em 1982. Depois ele ainda foi campeão do mundo em Portugal pelo Porto, em 1987.
 Extremamente habilidoso e com faro de gols, Juary foi o diferencial daquele time santista de 78 formado por Flávio; Nelsinho Baptista, Joãozinho, Neto e Gilberto Sorriso; Zé Carlos, Toninho Vieira e Pita; Nilton Batata, Juary e João Paulo. E o grupo contava com reservas como o goleiro Vitor, Antonio Carlos, Célio, Ailton Lira, Claudinho, Rubens Feijão e até o volante Clodoaldo, que perdeu a posição após contusão. Ressalta-se que o zagueiro Antonio Carlos morreu em agosto de 2012 aos 61 anos de idade.
 Quando da aparição na equipe principal do Santos, em 1977, Juary revelou à revista Placar que se condicionava para fugir de cerradas marcações, ficar menos nervoso dentro da área, chutar melhor com a perna esquerda e cabecear um pouquinho melhor. Afinal, não se pode cobrar aproveitamento no jogo aéreo para quem tem estatura de 1,68m como ele.

 Naquela entrevista, Juary ainda confidenciou o desejo de se formar advogado, e justificou que era por revolta e justiça. “Não conseguia esquecer que um tio meu foi morto dentro de casa, furado por bala de policiais que caçavam marginais. Minha mãe disse que ele não era um deles, mas ninguém foi punido pela morte”.