domingo, 26 de julho de 2015

Marcial, de goleiro para a medicina

 Décadas passadas jogador de futebol nem sempre tinha postura profissional. Varava madrugadas em ‘gandaias’ com mulherada, jogatina de baralho ou bebedeira em botecos. Dedicação aos estudos era raridade. Assim, quando pendurava as chuteiras vagava por aí sem profissão e ‘queimava’ o dinheiro juntado ao longo da carreira.
 As entrevistas eram inócuas ou marcadas pelo ‘decoreba’, com derrapadas na língua portuguesa. No rádio, as primeiras palavras eram ‘ouvintes meus cumprimentos’. E no pós-jogo, em caso de derrota, o discurso não fugia de ‘vamos erguer a cabeça e partir para a próxima’.
 Quem sugere que o saudoso meia Sócrates do Corinthians foi uma das raras exceções de doutorado entre boleiros, quando formado em medicina no final dos anos 70, tem que recorrer ao histórico da década de 60 na bola quando o rebelde e politizado Afonsinho, do Botafogo (RJ), também fez a mesma opção.
 O histórico de atletas-médicos aumenta no Atlético Mineiro. Mário de Castro jogou de 1926 a 1931 com o nome falso de Orian para driblar a exigente mãe, uma viúva que queria impedi-lo de jogador futebol. Assim, ele cursou medicina simultaneamente e foi clinicar quando parou de jogar. Já na década de 60 dois companheiros de equipe no Galo mineiro formaram-se médicos após o encerramento da carreira, casos do meio-campista Haroldo Lopes e goleiro Marcial de Mello Castro.
 Marcial foi profissionalizado no Galo mineiro em 1960, ameaçou parar na temporada seguinte, mas foi convencido pelo técnico Antoninho a voltar. E se destacou pela agilidade e boa colocação no time campeão estadual de 1962 formado por Marcial; Reginaldo, William, Procópio e Marcelinho; Dinare e Fifi; Toninho, Nilson, Afonsinho e Noêmio.
 Flamengo foi o destino de Marcial no ano seguinte e conquistou novo título regional, com a marca de ter sustentado o empate sem gols contra o Fluminense com brilhantes defesas. Aquela final, em fevereiro de 1963 no Estádio do Maracanã, registrou o recorde de público entre clubes no planeta, com 177.656 pagantes e 194.603 presentes. Eis a equipe rubro-negra: Marcial; Murilo, Luís Carlos, Ananias e Paulo Henrique; Carlinhos e Nelsinho; Espanhol, Airton, Geraldo e Osvaldo.
 Em 1966 Marcial já estava no Corinthians e se revezava na meta com Mário, Cabeção e Heitor. Eis o time: Marcial; Jair Marinho, Ditão, Clóvis (Galhardo) e Édson Ceconha; Dino Sani e Nair; Marcos, Nei, Tales, Rivelino e Gilson Porto. Lá ele encerrou a carreira no ano seguinte aos 26 anos de idade quando o revezamento no gol era com Barbosinha. Marcial preferiu destrancar a matrícula do terceiro ano curso de medicina quando morava em Belo Horizonte. E lá se especializou como anestesista.
 Agora, aos 73 anos de idade, ele acha tempo para freqüentar o Boteco do Chumba na capital mineira e adora pescar traíras em lagoas. 

domingo, 19 de julho de 2015

Atacante Parada, outro ‘rei do gatilho’

 Nos tempos de olho por olho e dente por dente também no futebol, décadas passadas, pessoas ligadas diretamente ao meio andavam armadas com revólveres como prevenção. O saudoso treinador-jornalista João Saldanha ameaçou Yustrich, técnico do Flamengo que já morreu, no Retiro dos Padres no Rio de Janeiro, após ter sido criticado duramente durante as Eliminatórias à Copa do Mundo de 1970. Anos depois surgiu no futebol o árbitro Dulcídio Vanderlei Boschilia, já falecido, que chegava aos estádios com arma à mostra na cintura. O ex-jogador Mário Sérgio Pontes de Paiva justificou o apelido de ‘Rei do Gatilho’ porque em 1979 espalhou rodinha de torcedores do São José nas proximidades do ônibus que conduzia a delegação do São Paulo no Vale do Paraíba, ao sacar um revólver e disparar tiros para o alto após derrota do time são-paulino por 1 a 0.
 Exemplos estão aí aos montes de boleiros prevenidos com armas de fogo antes da vigência da lei 10.826 do Estatuto do Desarmamento, sancionada em dezembro de 2003. O centroavante Antonio Parada Neto, na passagem pelo Guarani em 1967, sacou um revólver e deu tiros para espantar torcedores da Portuguesa Santista que ameaçaram jogadores bugrinos após jogo no Estádio Ulrico Mursa, em Santos.
 Aos 66 anos de idade, Parada é um homem tranquilo que fixou residência na capital paulista, comportamento que contrasta com o seu tempo de atleta iniciado em 1957 no Palmeiras. Três anos depois, trocado pelo goleiro Rosan, foi jogar na Ferroviária de Araraquara (SP), mas a carreira decolou mesmo no Bangu a partir de 1963 quando atuou num time formado por Ubirajara; Élcio, Mário Tito, Zózimo e Nilton; Ocimar e Roberto Pinto; Paulo Borges, Bianchi, Parada e Matheus.
 Parada foi um atacante estilo clássico e com frieza para conclusões. Por isso teve passagem marcante no Botafogo (RJ) em 1966, ano do título do Torneio-Rio São Paulo no time dirigido por Admildo Chirol que tinha Manga; Paulistinha, Zé Carlos, Dimas e Rildo; Elton e Gérson; Jairzinho, Bianchini, Parada e Roberto. Na ocasião ele foi artilheiro da competição com oito gols. Na prática, Botafogo, Corinthians, Santos e Vasco terminaram a disputa com 11 pontos, mas o ‘Fogão’ se prevaleceu no critério saldo de gols que não constava inicialmente no regulamento.
 No Guarani em 1967, Parada estreou com gol contra a Ferroviária no empate por 1 a 1 em Araraquara, mas posteriormente foi criticado pela torcida por causa da lentidão. Foram 29 jogos e dez gols marcados, quatro deles de pênaltis. Eis o time da época comandado por Aparecido Silva: Dimas; Cido Jacaré, Paulo, Tarciso e Miranda; Bidon e Milton dos Santos; Osvaldo, Zé Roberto, Parada e Carlinhos.

 Parada voltou ao Bangu, teve passagem discretíssima pelo Corinthians e perambulou por clubes do Norte do país até 1975 quando encerrou a carreira.

domingo, 12 de julho de 2015

Um ano sem o árbitro Armando Marques

 Este 17 de julho marca o primeiro ano da morte do ex-árbitros de futebol Armando Nunes Castanheira da Rosa Marques, vítima de insuficiência renal aos 84 anos de idade. A última aparição dele em público em 2014 havia sido no dia 21 de abril entrevistado por Jô Soares na TV Globo, ocasião em que, embora fragilizado fisicamente, mantinha velocidade de raciocínio e confessou nunca ter medo na vida. “Eu agradeço a Deus porque ele me privou do sentimento do medo”.
 Fama e facilidade de comunicação deram a Armando Marques um programa de variedades na extinta Rede Manchete de Televisão em 1993, num esquema de rodízio entre apresentadores: o Show da Manchete. Ele o apresentava nas noites de segundas-feiras, enquanto nos outros dias o comando era alternado por Otávio Mesquita, Ivon Curi, Monique Evan e Rosana Hermman.
 Na ocasião, ao investir maciçamente em jornalismo, teledramaturgia, esportes e entretenimento, a TV Manchete incomodava a Rede Globo de Televisão. O jornal noturno da emissora, apresentado pelo casal Eliakim Araújo e Leila Cordeiro, tinha uma hora de duração. O programa Documento Especial era a marca do jornalismo investigativo. Atores consagrados como Maitê Proença e Gracindo Júnior alavancaram a audiência da novela ‘Dona Beija’, mas o pico no Ibope foi alcançado na dramaturgia Pantanal. O saudoso estilista Clodovil Hernandes e as apresentadoras Xuxa e Angélica participaram da grade da programação.
 Como árbitro, tecnicamente Armando Marques foi tido como um dos melhores nas décadas 60 e 70, apesar de erros crassos na carreira. Santos e Portuguesa dividiram o título do Campeonato Paulista de 1973, porque na definição através de cobranças de pênaltis o time santista vencia por 2 a 0 o árbitro deu a partida por encerrada quando a Lusa ainda tinha chances de sair vencedora. Assim, restou à Federação Paulista de Futebol premiar os dois clubes.
 Na decisão do Paulistão de 1971 Armando Marques anulou gol legítimo de cabeça do palmeirense Leivinha contra o São Paulo, interpretando que o atacante havia usado a mão. O erro foi determinante para que o Tricolor paulista ficasse com o título da competição.
 Num período em que atletas eram identificados predominantemente pelos apelidos, Armando Marques os chamavam pelo prenome. Pelé, por exemplo, era senhor Edson, que ele ousou expulsar num jogo contra o São Paulo em 1963.
 Embora educado, Armando Marques repreendia os atletas energicamente para manter a disciplina. Tinha o hábito de adverti-los com dedo em riste no rosto, e por isso levou um soco do lateral-esquerdo Nilton Santos, já falecido.

 Por causa de trejeitos nos gramados, o público nos estádios, predominantemente conservador, entoava o coro de ‘bicha’. Seja como for, o certo é que Armando Marques morreu solteiro.

segunda-feira, 6 de julho de 2015

Boleiros e técnicos argentinos se destacaram no Brasil

 O futebol argentino ganhou notoriedade pela exportação de treinadores para comandar selecionados de países sul-americanos na Copa América. Outrora o mercado brasileiro foi igualmente abastecido por treinadores e jogadores da Argentina. Nos anos 40, o São Paulo contava com o futebol elegante do zagueiro Armando Renganesch, que posteriormente se transformou em treinador qualificado na montagem de equipes, com refinado toque de bola. Mesmo destino seguiu o goleiro José Poy quando parou de jogar. O diferencial é que Poy, enquanto treinador, foi disciplinador. Exigia que o jogador estivesse em forma para render aquilo que era capaz.
 Da escola argentina também se destacaram no futebol brasileiro os técnicos Nelson Ernesto Filpo Nuñes, Jim Lopes e José Agnelli, já falecidos. O folclórico Filpo foi responsável pela academia do Palmeiras em 1965. E a identificação com o Verdão possibilitou que voltasse a comandar o time outras vezes. Lopes fez sucesso no São Paulo e Agnelli foi um ‘cigano’ no interior paulista até fixar residência em Ribeirão Preto.
 A migração de boleiros argentinos ganhou destaque nos anos 40. O Palmeiras foi buscar o clássico zagueiro Luis Villa, incapaz de dar um pontapé no adversário. Por isso, num clássico com o Corinthians, foi humilhado pelo meia Luizinho.
 O São Paulo não deixou por menos e trouxe o meia Sastre naquela mesma época para integrar um ataque formado por Luizinho, Sastre, Leônidas, Remo e Pardal. Na década de 60, na ganância de ganhar a Libertadores da América, o Palmeiras foi buscar em Buenos Aires o emérito cabeceador ‘Artime. O título não veio, mas Artime ratificou a fama de artilheiro.
 Acreditem: no mesmo período passou quase que despercebido no Juventus (SP) o então jogador Cesar Luis Menotti, que conquistou o título mundial como técnico da Seleção Argentina na Copa do Mundo de 1978.
 Os exemplos bem sucedidos de argentinos no Brasil animaram o Santos a contratá-los. Assim vieram o zagueiro Ramos Delgado e o goleiro Cejas entre as décadas de 60 e 70. Ramos Delgado tinha o tempo exato da bola para o desarme sem recorrer às faltas. Lembrava o estilo do saudoso Mauro Ramos de Oliveira, enquanto Agostín Mario Cejas trouxe a coragem dos goleiros platinos na saída da meta para interceptar cruzamentos na grande área.
 Na mesma época o Cruzeiro se garantia na defesa com o futebol eficiente do zagueiro Perfumo, enquanto o Flamengo dependia dos gols do centroavante Doval, que os comemorava próximo ao fosso da antiga geral do Maracanã com punhos cerrados e corpo curvado para frente.

 Curioso é que nas ‘peladas’ da molecada na Argentina Doval era goleiro, e saía driblando adversários após praticar defesas. Por isso foi deslocado ao ataque. Ele sofreu enfarte e morreu em outubro de 1991 aos 46 anos de idade.