domingo, 28 de setembro de 2014

Capão, treinador avesso a jogador líder

  A valorização da preparação física mudou a cara do futebol. Treinadores discursam sobre compactação de equipes, transição e recorrem frequentemente a avanços tecnológicos para aprimoramento técnico-tático de seus jogadores. Isso contrasta com estilo e comportamento de comandantes de décadas passadas como o saudoso Wilson Francisco Alves, o Capão, que morreu em dezembro de 1998 pouco antes de completar 71 anos de idade.
 Por que Capão? Quando ele se submeteu a teste como zagueiro do Vasco, aos 15 anos de idade, Roque Calossero, técnico do juvenil, aprovou a postura vigorosa dele e perguntou-lhe onde morava. Bastou a resposta bairro Magalhães Bastos no Rio de Janeiro, perto do Moro do Capão, para que o apelido se eternizasse.
 Capão ficou marcado no futebol na função de treinador e dizia abertamente que trabalhava de olho no ‘tutu’. Acordo com clubes eram verbais, mas deixava claro que não admitia palpite de cartola. “Vocês contratam e eu escalo”. E quando apresentado aos elencos deixava claro que não gostava de líderes e adotava a troca de capitão a cada jogo. Aos boleiros ‘mascarados’ o recado era curto e grosso: “Ou tira o tamanco, ou eu tiro o dito cujo do time”. Também enfatizava que em seu time não havia apadrinhamento e apenas os melhores seriam escalados, mesmo que trocados de posições se julgasse conveniente.
 Capão era avesso a preleções a todo grupo antes de jogos. Preferia reunir jogadores de mesmo compartimento pra dizer aquilo que pretendia e valorizava a parte técnica. Estrategicamente fazia vistas grossas a boleiros que participavam de farras noturnas, mas cobrava rendimento durante os jogos.
 Como de praxe nos treinadores entre as décadas de 60 a 80, o barrigudo Capão usava sapato branco sem meia, camisa fora da calça e tinha hábito de usar óculos escuros nas ruas centrais de cidades do interior paulista de clubes que dirigia. Marília, São José do Rio Preto e Sorocaba foram os locais em que ficou mais tempo. Para a mídia falava que revelou Zé Maria, Marinho Peres e Leivinha nos tempos de Portuguesa, mas na prática apenas lapidou aqueles jogadores.
 Como atleta fez carreira no Vasco de 1943 a 1952 e atuou ao lado de Japão, Augusto, Moacir, Jair da Rosa Pinto, Ademir de Menezes e Chico. Foi treinado por Ondino Vieira e Flávio Costa, e se orgulhava de ter participado do expressinho da vitória do Sul-Americano de 1949.

 A boa fase no Vasco o premiou com vaga na Seleção Brasileira que conquistou o Sul-Americano também de 1949. Depois ainda jogou na Portuguesa Santista e Santos, até que em 1957 assumiu interinamente o comando técnico do Peixe, visto que o treinador Lula foi chamado para ser auxiliar de Zezé Moreira na Seleção Brasileira. E Capão gostou da experiência tanto que posteriormente foi trabalhar como auxiliar do técnico Francisco Sarno no Jabaquara em 1958.

segunda-feira, 22 de setembro de 2014

Sete anos sem o quarto-zagueiro Roberto Dias

 Vinte e seis de setembro marca o sétimo ano da morte do quarto-zagueiro Roberto Dias, do São Paulo, lançado no time principal em 1961, e no ano seguinte se firmou como titular numa equipe comandada pelo disciplinador Osvaldo Brandão e formada por Poy; De Sordi, Belini, Roberto Dias e Sabino; Cido e Benê; Faustino, Prado, Jair e Agenor.
 Roberto Dias, que atuou no São Paulo até 1973, foi considerado um dos principais da posição pela capacidade de desarme e esbanjar técnica quando conduzia a bola. A precisão no passe lhe permitia fazer ligação direta da defesa ao ataque. A matada de bola no peito era com elegância.
 Com aquelas virtudes, por vezes era adaptado à função de volante e correspondia, transformando-se em cobrador oficial de faltas. A passagem pelo São Paulo foi marcada basicamente no período de construção do Estádio do Morumbi, quando o investimento da diretoria era limitado no futebol.
 Assim, primeiro fez dupla de zaga com Belini. Depois atuou com Jurandir, um negro alto, forte, e quase intransponível no jogo aéreo, virtude que compensava as bolas que Dias não alcançava pela estatura de 1,71m de altura, apesar da fantástica impulsão dele.
 Jogador de pernas curtas, Dias não tinha passadas largas. Logo, perdia jogadas na velocidade para Edu Bala (ex-Lusa, Palmeiras e São Paulo) e Jairzinho Furacão (ex-Botafogo e Seleção Brasileira).
 Dias sempre contava em detalhes aquele 14 de agosto de 1963 quando participou do jogo do ‘cai-cai’ provocado pelo Santos, que perdeu por 4 a 1. Pelé e Coutinho foram expulsos no primeiro tempo e o lateral Cido Jacaré, com fratura no perônio, deixou o campo numa época em que não se permitia substituição de jogador. Assim, após o quarto gol de Pagão para os são-paulinos, Dorval e Pepe simularam contusões a fim de que o Santos não contasse com número mínimo exigido de jogadores para prosseguimento da partida.
 Tudo ia relativamente bem para Dias até 1969, ocasião em que médicos do clube diagnosticaram problema no coração dele, que lhe provocou afastamento do futebol por um ano. Naquele time jogavam Picasso; Cláudio, Jurandir, Dias e Edson: Nenê e Terto; Paraná, Zé Roberto, Téia e Bobó.
 Ano seguinte o São Paulo montou equipe competitiva e pôde comemorar o bicampeonato paulista em 1970/71. Em 1973 Dias recebeu carta de liberação do passe e assinou contrato com o Jalisco do México. Depois passou por Ceub do Distrito Federal e Dom Bosco de Mato Grosso, quando a vida útil como jogador de futebol já havia acabado.

 Na antevéspera da morte, ele ainda comandava treino para filhos de associados do São Paulo, ocasião em que aqueles meninos jamais dimensionaram como aquele velhinho magricelo de 64 anos de idade, de cabelos prateados, era bom de bola, com participação em 25 partidas pela Seleção Brasileira.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

Ronaldão, zagueiro armário campeão mundial

 Faltou pouco para que voz e imagem do ex-zagueiro Ronaldão, 49 anos de idade, aparecesse no horário eleitoral gratuito da televisão para pedir votos à eventual candidatura quer à Assembléia Legislativa de São Paulo, quer à Câmara Federal.
 Ronaldo Rodrigues de Jesus até que foi convencido a se filiar no PCdoB (Partido Comunista do Brasil), mas resistiu à insistência da candidatura porque, embora politizado, tem outras prioridades, uma delas prosseguir o trabalho com investimentos e projetos do setor imobiliário em Campinas, onde está radicado.
 E para se especializar no segmento executivo cursou a Faculdade de Administração no final da carreira de jogador. A primeira experiência executiva foi como diretor de futebol remunerado da Ponte Preta, durante três anos.
 Como convém à nova função, Ronaldão se transformou num executivo trilingue. Diferente da boleirada por aí cujo vocabulário se restringe a poucas dezenas de palavras, ele fala um português impecável. Igualmente cursou nível intermediário do inglês e espanhol. Por isso ‘sobrevive’ bem nas viagens ao exterior.
 Com 1,90m de altura, foi o típico zagueiro armário. Valia-se basicamente da compleição física avantajada para se impor diante de atacantes habilidosos, em clara amostragem do erro de avaliação de seus treinadores nas categorias de base que o mantiveram como lateral-esquerdo.
 Foi na equipe principal do São Paulo que acabou fixado como quarto-zagueiro, e como recompensa conquistou o primeiro título na carreira durante o Campeonato Paulista de 1987. O auge ocorreu no bicampeonato mundial do Tricolor paulistano em 1993 no Japão, na vitória por 3 a 2 sobre o Milan da Itália, ocasião em que formou dupla de zaga com o ‘baladeiro’ Válber, um indisciplinado capaz de ‘matar’ a avó três vezes e justificar incontáveis pneus furados nas ausências aos treinamentos.
 Após aquela memorável vitória são-paulina vista por 52.275 torcedores no estádio, Ronaldão desabafou: “Se o Milan era o super time, o que é o São Paulo afinal? Os gols são-paulinos foram anotados por Palhinha, Toninho Cerezo e Muller, num time comandado pelo saudoso Telê Santana e formado por Zetti; Cafu, Válber, Ronaldão e André Luiz; Doriva, Dinho, Cerezo e Leonardo; Palhinha e Muller.
 Apesar da boa fase, Ronaldão só foi convocado à Seleção Brasileira visando a Copa do Mundo de 1994 porque Ricardo Gomes foi cortado, por contusão. E se naquela competição foi reserva de Márcio Santos, no geral esteve em convocações desde 1991, com histórico de 14 jogos e três gols.
 Ele também jogou 46 partidas pelo Shimizu do Japão naquele ano. No Brasil, além das 75 partidas com a camisa do São Paulo, jogou 37 vezes no Flamengo e 69 na Ponte Preta, onde encerrou a carreira em 2002.

Ele ainda teve passagens por Santos, Coritiba e Rio Preto. 

segunda-feira, 8 de setembro de 2014

Clemer, história de um campeão mundial

 O ex-goleiro Clemer, 46 anos de idade, sonha levar a cabo projeto de se transformar em treinador de futebol, e o primeiro passo foi dado ao comandar a equipe sub 23 do Inter (RS), após estágio como preparador de goleiros e comandante de categorias de base no próprio clube. Foi o período em que confessa ter aprendido a ‘engolir sapo e dar cutucadas no boleiro quando necessárias’.
 A experiência de comandante virá na sequência, mas o maranhense Clemer Melo da Silva sempre demonstrou postura de líder nos tempos de jogador. E o exemplo mais claro ficou evidenciado na campanha da conquista do Mundial de Clubes da Fifa no Japão do Inter, ao vencer o badalado Barcelona por 1 a 0 de Ronaldinho Gaúcho e Deco naquela final, gol do meia Adriano Gabiru aos 36 minutos do segundo tempo. A partida foi disputada no dia 17 de dezembro de 2006 e contou com público de 67.128 torcedores.
 “O foco no trabalho de qualquer equipe tem que ser total, com cobrança a todos os jogadores. E quando alguém sai da linha, indo para a noite, tem que ser advertido, principalmente se não estiver correspondendo em campo”, revelou Clemer à imprensa gaúcha.
 O então goleiro daquele respeitado time do Inter também confessou que, no auge daquela comemoração, enrolou-se na bandeira do Brasil, estourou champanhe no hotel e brincou de esparramá-la nos companheiros. E só depois se deu conta que o preço da bebida era caríssima em Yokohama. O time daquele memorável conquista foi de Clemer; Ceará, Índio, Fernando Eller e Rubens Cardoso; Edinho, Wellington Monteiro, Alex e Fernandão; Iarley e Alexandre Pato. “Foi um duelo de Davi contra o Golias, o Barcelona era o favorito, mas o importante foi o nosso time não tremer”, revelou Clemer.
 Gostinho de títulos era coisa corriqueira na carreira de Clemer. Nos quatro anos de Flamengo, até 2001, foi o titular absoluto no título estadual de 1999, na vitória por 1 a 0 sobre o Vasco, gol de Rodrigo Mendes, num time que tinha Clemer; Pimentel, Fabão, Luís Alberto e Athirson; Leonardo Ávila, Jorginho, Beto e Fábio Baiano; Rodrigo Mendes (Maurinho) e Romário.
 Num dos raros anos dourados da Portuguesa, em 1996, Clemer ajudou o time chegar à disputa de título contra o Grêmio, ao praticar brilhantes defesas naquele vice-campeonato brasileiro. Ele era arrojado na saída da meta e tinha elasticidade até em bolas no chão para praticar defesas, apesar da estatura de 1,90m de altura. O time luso da época tinha Clemer; Walmir, Émerson, César e Carlos Roberto; Capitão, Gallo, Caio e Zé Roberto; Alex Alves e Rodrigo Fabri.

 Antes da chegada na Portuguesa, Clemer rodou durante dez anos por clubes de média ou pequena expressão no cenário nacional. Tudo começou em 1987 no Moto Clube. Depois, passagens por Guaratinguetá, Santo André, Catuense, Maranhão, Ferroviário (CE), Remo e Goiás.

segunda-feira, 1 de setembro de 2014

Dois anos sem o volante Ruço do Corinthians

 Há 15 anos relato biografias daqueles que construíram a história do futebol brasileiro. De certo vai passar batido por aí, mas a coluna resgata um pouco do rendimento do volante Ruço do Corinthians, que morreu no dia primeiro de setembro de 2012, portanto há dois anos.
 A coluna pauta pelas homenagens em vida, porém, por algumas razões, nem sempre isso é possível. Às vezes faltam informações para produção do texto, e por isso o personagem em questão continua na fila até que, a exemplo de Ruço, entra obrigatoriamente na pauta semanal quando de seu falecimento.
 Quanto tempo não se ouvia falar no volante Ruço? Ele foi mais um dos atletas do passado que saíram do ostracismo quando morreram. Vítima de AVC (Acidente Vascular Cerebral), ele morreu no Rio de Janeiro aos 63 anos de idade.
 Nos tempos em que Ruço jogou no Corinthians, de 1975 a 1978, o então presidente Vicente Matheus - já falecido - exigia que até os ‘cobras’ assinassem contratos em branco, na base da confiança. Depois avaliava quanto deveria pagar para o atleta e preenchia o valor no vínculo contratual.
 Logo, aquilo que Ruço ganhou jogando no Timão, Remo (PA), Botafogo (RJ), Cruzeiro, Juventus e Rio Branco (ES) não lhe permitiu que ficasse endinheirado. Teve que se virar em outro ramo de atividade, e uma das opções encontradas foi montar um bar no Rio de Janeiro.
 Vejam que diferença para o atual momento de boleiros de grandes clubes brasileiro! Volante como Ruço, que marca e sabe trabalhar a bola, não ganha menos que R$ 30 mil por mês até em clubes de médio porte.
 Diferente de atletas badalados, Ruço quase não era requisitado pela mídia para entrevistas. Quando isso ocorria em emissoras de rádio, ele usava o tradicional bordão da época para iniciar a fala: “Ouvintes, meus cumprimentos”.
 Falar e esbravejar se resumia aos companheiros em campo, quando exigia posicionamento adequado. Embora jogador de marcação, de vez em quando ele aparecia no ataque e justificava o atrevimento com alguns golzinhos, o principal deles contra o Fluminense no dia 5 de dezembro de 1976, ocasião em que 70 mil corintianos invadiram o Estádio do Maracanã.
 Foi um gol de voleio, tipo meia bicicleta, naquele empate heróico por 1 a 1, fato que estendeu a definição do finalista do Campeonato Brasileiro daquela temporada às cobranças de pênaltis. Aí a vantagem corintiana foi de 4 a 1.
 Corintiano nostálgico de certo ainda guarda o pôster da equipe campeã paulista de 1977, da final contra a Ponte Preta, quando terminou o jejum de títulos de quase 23 anos. Naquele time estavam cabeludos estilo black power como Romeu Cambalhota, Luciano Coalhada, Geraldão e Ruço.

 Ruço e russo (natural da Rússia) são palavras homônimas homófonas, ou seja, pronúncia idêntica com grafias diferentes. Coisas desta complexa língua portuguesa.