domingo, 29 de novembro de 2015

João Paulo do Guarani: o driblador

 Alcides Romano Júnior, o zagueiro Cidinho dos anos 60 do Guarani, treinava o time juvenil do clube no final dos anos 70 quando, por acaso, descobriu o melhor ponteiro-esquerdo dos elencos bugrinos de todos os tempos. Ao participar de uma pelada, num campo de várzea de Campinas, foi entortado várias vezes pelo então franzino Sérgio Luís Donizetti, e se apressou levá-lo para o seu grupo, identificando-o como João Paulo, pelo estilo semelhante ao ‘Papinha da Vila’.
 O saudoso treinador Zé Duarte, no comando da equipe principal do Guarani em 1981, ousou lançar aquele garoto de 17 anos porque se encantou com o estilo de ponta agressivo, driblador e extremamente habilidoso. Só que na época João Paulo foi vencido pela timidez. Ao primeiro grito de companheiros experientes para que passasse a bola esmorecia. Então, o jeito foi emprestá-lo ao Anapolina (GO) e posteriormente ao Goiânia para que ganhasse experiência.
 De volta ao Guarani em 1984, aos 20 anos de idade, ele se transformou no caminho mais curto para o time chegar aos gols. Entortava laterais e quem surgisse na cobertura. Pará-lo só na base da falta, muitas vezes dentro da área adversária. Foi assim na final do Campeonato Brasileiro de 1986 contra o São Paulo, em lance que fez fila. Todavia, o então árbitro José de Assis Aragão ignorou o pênalti cometido pelo são-paulino Vagner Basílio.
 Fosse fominha certamente João Paulo disputaria artilharia de competições, mas preferiu se caracterizar como auxiliar de goleadores. Como servia-os com precisos passes, seu histórico no Guarani foi de 22 gols em 88 jogos até 1989, quando os italianos do Bari vieram buscá-lo interessados na capacidade de criação dele.
 Na Itália, a resposta em campo resultou na eleição de melhor jogador estrangeiro na temporada seguinte. Passou a ser conhecido no Bari como ‘Il Diavollo Che sorride’ (o diabo que sorri), o que dá bem a dimensão de seu estilo. Não fosse uma fratura de tíbia e perônio - que implicou em queda de rendimento - a tendência seria prolongar a passagem naquele país além de cinco anos.
 No Brasil, novamente, João Paulo foi acolhido inicialmente pelo Vasco. Depois passou por Ponte Preta, Goiás, Corinthians, Sport Recife, Bahia até que inevitavelmente atingisse a fase descendente em clubes de menor expressão. O encerramento da carreira de atleta ocorreu na Inter de Limeira (SP) em 2004, aos 40 anos de idade.

 Depois isso, João Paulo foi visto novamente em campos varzeanos disputando campeonatos de veteranos até surgir a oportunidade de comandar o ‘Projeto Bugrinho’, da escolinha de futebol para filhos de associados do Guarani. Ali, além de transmitir experiência aos meninos, conta um pouco de sua história de jogador injustiçado pelo treinador Sebastião Lazaroni da Seleção Brasileira de 1990, que o deixou de fora da Copa do Mundo da Itália, assim como outras passagens esporádicas pelo selecionado.

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Paulinho McLaren, 483 gols na carreira

 Outrora comissões técnicas de futebol eram enxutas: treinador, preparador físico, supervisor e preparador de goleiros. Hoje os três primeiros têm auxiliares e o grupo de profissionais que respaldam boleiros foi ampliado com jornalista, nutricionista, fisiologista, psicólogo e uma equipe médica geralmente com três integrantes.
 A ampliação do quadro de profissionais é justificada pela modernidade do futebol, mas os dirigentes fingem não ouvir reiteradas cobranças do ex-atacante flamenguista Nunes sobre criação do cargo de preparador de atacantes. Apesar da rejeição, continuam reclamando dos tais gols incríveis perdidos por seus jogadores.
 Nunes havia proposto que ex-atacantes talhados para empurrar a bola na rede pudessem transmitir à atual geração detalhes fundamentais que os consagraram no passado. E neste contexto de transmissão de experiência não é exagero inserir o ex-centroavante Paulo César Vieira, paulista de Iguaçu do Tietê, 1,80m de altura, que carimbou a assinatura de Paulinho McLaren em março de 1991 por causa de comemoração de gol santista imitando piloto de carro de Fórmula 1, uma semana após vitória de seu ídolo, o falecido Ayrton Senna.
 Paulinho McLaren marcou gols de todo jeito. Foram 483 em 18 anos de carreira, decolada quando já estava rodado na bola. Passou a ser notado em 1989 nas passagens por Atlético Paranaense e Figueirense. Depois, registro para a trajetória em grandes clubes como Santos, marcada por artilharia no Campeonato Brasileiro de 1991, com 15 gols.
 Foi o bastante para que o futebol português viesse buscá-lo. E em duas temporadas pelo Futebol Clube do Porto a resposta foi medalha de artilheiro da Super Copa de Portugal pelo Porto. Nem por isso quis ficar por lá e aceitou proposta para jogar na Portuguesa em 1994, quando ratificou a fama de artilheiro no Paulistão da temporada seguinte, com 20 gols.
 O último bom momento na carreira dele foi no Cruzeiro até 1997, com a marca de 22 gols em 53 partidas. Foi lá que a irreverência na comemoração de gols provocou tremenda polêmica em vitória sobre o rival Atlético, quando imitou uma galinha.  Paradoxalmente passou pelo Galo mineiro ano seguinte sem marcar um gol sequer nas dez partidas disputadas, período em que seu futebol havia sucumbido e assim se arrastou até o encerramento da carreira em 1999 no Santa Cruz.

 Paulinho McLaren não conseguiu ficar fora do meio e arriscou empresariar jogadores. Todavia, nas reflexões sobre a trajetória difícil de início de carreira de atleta no interior paulista, a partir de 1989, por Bandeirantes de Birigui, Serra Negra, Sãocarlense, Comercial, Barretos e Votuporanguense, decidiu enfrentar o desafio na função de treinador. E o histórico é ‘rodagem’ pelo interior de São Paulo e Uberaba sem que desse o salto para equipes de maior expressão.

domingo, 15 de novembro de 2015

Hilton Oliveira, ponteiro auxiliar de artilheiros

 Outrora jogador de futebol era identificado pelo prenome ou apelido. Em caso de coincidência de jogadores de mesmo nome em um clube, geralmente aquele que chegava por último era citado como ‘fulano de tal’ segundo. Uma das exceções à regra foi no São Paulo no final dos anos 60, quando Antonio Pedro de Jesus, o Toninho, já integrava o elenco e passou a ser chamado de Toninho II para se diferenciar do centroavante Toninho Guerreiro, recém transferido do Santos.
 Com uma leva de Toninhos espalhada por clubes de todo país, décadas passadas, quebraram o ‘protocolo’ para identificá-los. Em vez da citação Toninho II, adotavam nomes compostos. Entre os Toninhos, o Santos teve Oliveira e Carlos. No Palmeiras passaram Cecílio, Vanusa e Catarinense. Até a Seleção Brasileira contou com o lateral-direito Toninho Baiano.
 O Cruzeiro dos anos 60 preferia usar nomes compostos em casos de homônimos em seu elenco. Com a chegada do ponteiro-esquerdo Hilton ao clube em 1958, o jeito foi identificá-lo como Hilton Oliveira para se diferenciar do volante Hilton Chaves que lá estava.
 Do ataque cruzeirense campeão da Taça Brasil de 1966, com vitórias por 6 a 2 e 3 a 2 sobre o Santos de Pelé na final, respectivamente nos estádios do Mineirão e Pacaembu, o ponteiro-esquerdo Hilton Oliveira era o jogador de menor notoriedade, embora habilidoso e rápido. A falta de ambição para marcar gols era um defeito, já que o ponteiro-direito Natal funcionava como auxiliar de artilheiros que também marcava gols regularmente.
 A preferência de Hilton Oliveira era levar a bola ao fundo do campo e cruzar geralmente rasteiro para conclusões quer dos atacantes Tostão e Evaldo, quer do meia Dirceu Lopes, todos de média estatura. Assim, o estilo trouxe-lhe prejuízo com histórico de míseros 33 gols em 330 jogos com a camisa do Cruzeiro até 1970, debitando-se o hiato no biênio 1961-62 quando defendeu o Fluminense por empréstimo, período que intercalou a titularidade com o também ponteiro-esquerdo Escurinho, e não escondia a preferência para atuar nos aspirantes.
 A história de Hilton Oliveira no futebol terminou em 1971 na passagem pelo América Mineiro. Há registro de três jogos contra o Uruguai pela Seleção Brasileira em 1967, e confissão de liberdade para abusar de dribles quando o Cruzeiro excursionava ao exterior.

 Depois disso admitiu ter enjoado de futebol e até optado pelo ramo de vendas na continuidade de atividade profissional. Por isso, bem antes da morte em março de 2006, aos 65 anos de idade, vítima de pneumonia, já dizia que raramente assistia partidas até pela televisão. Justificava a desmotivação pelo empobrecimento do nível técnico e torcia o nariz ao deparar com salários de R$ 80 a $ 100 mil mensais para jogadores rigorosamente comuns. “Quem mandou a gente nascer em época errada no futebol?”

domingo, 8 de novembro de 2015

Quarentinha, artilheiro que não comemorava gols

 Gol, momento sublime do futebol e de comemorações insólitas. Em 14 de julho de 1996 os argentinos Caniggia e Diego Maradona lascaram um beijão na boca na abertura da goleada do Boca Junior sobre o arquiinimigo River Plate por 4 a 1, no Estádio La Bombonera. No passado, quando orelhões de telefonias fixas eram instalados em gramados, boleiros corriam em direção deles para teatralizar ligações a ente querido. Pior quando o autor do gol se atirava no gramado e seus companheiros se amontoavam com inevitáveis encoxadas.
 Há relatos de que o soco no ar foi inventado por Pelé, assim como há casos de comemorações comedidas, uma delas protagonizada pelo saudoso Sócrates nos tempos de Corinthians. O comportamento dele era braço erguido e punho cerrado.
 Tem aumentado a incidência de atletas que deixam de comemorar gols quando marcados contra seus ex-clubes, quer por gratidão, quer pelo declarado amor. O atacante Cristiano Ronaldo, do Real Madrid, age assim quando vai às redes contra o Manchester United.
 Diferente de todos eles foi o saudoso atacante Quarentinha, do Botafogo (RJ), que ignorava qualquer comemoração de gol após aquele chute potente de canhota ao se desvencilhar de zagueiros, ou em cobranças de faltas que aterrorizavam adversários que ficavam na barreira.
 A cada um dos 313 gols marcados no Botafogo, em 442 jogos disputados de 1954 a 1964, ele apenas caminhava lentamente ao meio de campo. Quando indagado pela indiferença, respondia que apenas cumpria a sua obrigação. Que era pago para isso.
 Não fosse a rebeldia de um cartola botafoguense que decidiu emprestá-lo ao Bonsucesso em 1956, por causa de desentendimento entre ambos, a marca de maior artilheiro do Bota seria aumentada com os 21 gols marcados naquela temporada, como segundo artilheiro da competição regional com 21 gols, atrás do atacante Valdo, do Fluminense.
 No retorno ao Botafogo em 1957, sempre de bigode ralinho e contratos assinados em branco, ele participou do time campeão carioca com goleada na final sobre o Fluminense por 6 a 2, dia 22 de dezembro, cinco gols de Paulinho Valentim, um deles de bicicleta, em jogo com público pagante de 89.100. Eis a formação do Bota: Adalberto, Beto e Tomé; Servilio, Pampolini e Nilton Santos; Garrincha, Didi, Paulo Valentim, Edilson e Quarentinha. Treinador: João Saldanha.
 Nas três temporadas subseqüentes, Quarentinha foi artilheiro estadual e deixou histórico de 17 gols em 19 jogos pela Seleção Brasileira. Lamentação foi uma lesão no joelho que o tirou na Copa do Mundo de 1962, no Chile.

 A carreira dele se completou em 1968 no Almirante Barroso (SC), após início no Paysandu de Belém (PR) - onde nasceu - e passagens por Vitória da Bahia e Colômbia. Com nome de registro de Waldir Cardoso Lebrego, ele morreu de insuficiência respiratória em fevereiro de 1996.

domingo, 1 de novembro de 2015

Adeus a Barbosinha, goleiro queimado no Corinthians

 Pode-se dizer que o goleiro Barbosinha, com passagem pelo Corinthians basicamente em 1967, morreu duas vezes. A primeira foi no futebol, após acusações de ter sido responsável direto pela derrota para o Palmeiras por 2 a 0, no dia 17 de novembro daquela temporada, no Estádio do Pacaembu. A morte física ocorreu no dia 20 de outubro passado aos 74 anos de idade, na capital paulista, vítima de câncer.
 Barbosinha surgiu no Corinthians após fase de instabilidade dos goleiros Mário, Heitor, Cabeção e Marcial em 1966. Na prática ele nunca se firmou como titular, alternando-se na meta corintiana com Marcial. Por isso, segundo o almanaque do clube, totalizou apenas 34 jogos com a camisa corintiana, um dos últimos deles naquela fatídica derrota para o Verdão, quando o saudoso presidente Wadih Helu o acusou diretamente pelos dois gols de faltas marcados pelo atacante palmeirense Tupãzinho, também falecido, em partida apitada por Olten Aires de Abreu.
 Na prática a postura do dirigente foi um desserviço prestado ao Corinthians na trajetória de dez anos como presidente, a partir de 1961. Apesar disso, seu prestígio com o torcedor corintiano só foi abalado com a torcida organizada Gaviões da Fiel, pela resistência para que se criasse a facção.
 Paralelamente à atividade clubística, Wadih atingiu a 13ª legislatura na Assembléia Legislativa de São Paulo, inicialmente eleito pela Arena (Aliança Renovadora Nacional), partido político atrelado do governo federal no período da ditadura militar. Ele morreu em 2011 aos 89 anos de idade.
 Convenhamos, todavia, que Barbosinha esteve longe de ser o goleiro ideal para o Corinthians, embora rotulado de ‘Nego Gato’, apelido parodiando título de música do cantor Roberto Carlos. Na época ele era mais citado pelos saltos e semelhança física com o goleiro Barbosa da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1950, culpado pelos gols sofridos e marginalizado perda do título no Estádio do Maracanã, com a derrota para o Uruguai por 2 a 1.
 Na temporada de 1967 o time do Corinthians mandava jogos no Estádio Alfredo Schurig, o Parque São Jorge, era comandado pelo saudoso treinador Zezé Moreira, e formado por Barbosinha (Marcial); Galhardo (Jair Marinho), Ditão, Clóvis e Maciel; Dino Sani e Rivellino; Bataglia, Nair, Flávio e Gilson Porto.
 Com espaço encurtado no Corinthians, Barbosinha seguiu trajetória no Atlético Paranaense que havia montado time de medalhões, entre eles o lateral-direito Djalma Santos, zagueiro Belini, volante Zequinha e ponteiro-direito Gildo. Depois Barbosinha passou discretamente pelo Tiradentes do Piauí antes de encerrar a carreira e fixar residência novamente em São Paulo, onde se aposentou exercendo a função de fiscal da prefeitura com o crachá indicando o verdadeiro nome de Lourival de Almeida Filho.