quarta-feira, 30 de junho de 2010

França, quanta saudade!

Zinédine Zidane, consagrado astro do futebol francês, deixava a bola bem miúda, como se diz na gíria do futebol. Fazia dela aquilo que bem entendia. Batia de três dedos, peito de pé e até de bico quando, solidário aos companheiros de marcação, recuava para ajudar no desarme. Sabia usar as pernas compridas para distanciar o adversário da bola. E com a estatura de 1,85m de altura, podia se esperar dele bons índices de aproveitamento no jogo aéreo. A rigor, o Brasil teve o desprazer de ser uma das vítimas de sua mortífera cabeçada, quando goleado por 3 a 0 em 1998, na final da Copa do Mundo da França.
Zidane abandonou o futebol subitamente, por culpa do destemperado jogador italiano Materazzi, na final da Copa do Mundo de 2006. O francês não dominou os nervos após ofensa pessoal no jogo entre os selecionados europeus, descontando com uma reprovável cabeçada no peito. Foi expulso de campo, e depois viu seus companheiros perderem a disputa na definição através de cobranças de pênaltis: 5 a 4.
Astro também da Juventus de Turim e Real Madrid, eleito três vezes o melhor jogador de futebol do planeta, Zidane desaprovou a performance da decadente seleção francesa nesta Copa do Mundo da África do Sul, despachada ainda na primeira fase. Todos aqueles que admiraram a escola futebolística francesa dos finais dos anos 90 ficaram perplexos ao constatarem um time ‘amarrado’ em campo nos três jogos da etapa classificatória. Um ritmo lento e previsível, apesar da ousadia na escalação, com dois atacantes abertos e um enfiado na área adversária para complementação de jogadas. Na prática, faltaram ‘peças’ qualificadas para a execução da proposta ofensiva.
A França do zagueiro Tigana e o meia Michael Platini, dos anos 80, e a geração de Thuran, Desailly, Djorkaeff, Deschamps, Lizarazu e Petit, da década de 90, não merecia tamanha humilhação. E para juntar os cacos e refazer o planejamento, é indispensável que recorra ao passado de glória e tradição.
Tigana foi um zagueiro de boa compleição física e com incrível capacidade de antecipação. Tomava a bola do adversário com categoria e tinha vocação para agilizar o início dos contra-ataques. Saía da defesa em velocidade e aí projetava-se ao ataque.
Tão forte quanto Tigana foi Thuram, que atuou quer no miolo de zaga, quer na lateral-direita até os 36 anos de idade, na temporada passada. Na seleção francesa ele jogou num time com meio de campo compacto. Deschamps foi um volante de bom desarme, coadjuvado por Youri Djorkaeff que fechava os espaços dos adversários. De posse de bola, ele sabia tocá-la com rapidez e se deslocava para receber a devolução. A rigor, esse meia teve a quem puxar: seu pai Jean Djorkaeff também integrou o selecionado francês nos anos 50 e 60 como lateral-direito dos bons.
Jogadores com a garra do lateral-esquerdo Lizarazu e o meio-campista Vieira também deixaram saudade aos franceses.

sexta-feira, 25 de junho de 2010

Retrancas na Copa lembram Juventus

As rígidas retrancas na Copa do Mundo da África do Sul nos remetem a décadas passadas quando treinadores de clubes de poucos recursos técnicos usavam o expediente na tentativa de evitar derrotas para adversários de maior potencial técnico. É prudente ressaltar que naquele período a pontuação por vitória era de apenas dois pontos. Logo, o empate tinha boa aceitação, principalmente fora de casa ou contra os chamados grandes clubes. Depois, para estimular o futebol mais ofensivo, a Fifa ampliou para três pontos os resultados de vitórias, a partir da Copa do Mundo de 1994, desestimulando, assim, as retrancas descaradas.
O primeiro exemplo claro que se tem informação de esquema tático retrancado foi o ‘ferrolho suíço’, usado por aquele país nas Copas de 1938 e 1954, implantado pelo austríaco Karl Rappan, o treinador. No Brasil, o Clube Atlético Juventus foi tido como o mais retranqueiro na década de 70, dirigido pelo técnico Milton Buzetto.
Antes do ingresso nas funções de treinador, Buzetto foi um zagueiro rebatedor, que também ‘fungava no cangote’ de atacante adversário. Sem espaço no Palmeiras - clube que o revelou - transferiu-se para o Juventus na década de 60, e lá formou dupla de zaga com o quarto-zagueiro Clóvis, ex-Corinthians. Sempre falante, orientava o sistema de marcação com recuo de volante, meias e ponteiros, de forma que o adversário encontrasse dificuldade de penetração.
Quando parou de jogar, já estava apto para ser técnico do próprio Juventus, exigindo que o time fosse a sua imagem: guerreiro e retranqueiro. Não se acanhava de aglomerar quase todo time nas imediações de sua própria área para evitar o gol do adversário. No papel, seu time tinha um ‘esqueleto’ de 4-3-3, mas na prática a variação atingia o 4-5-1, com os irmãos Brida e Brecha compondo o meio-de-campo, setor onde também participou Adnan, coadjuvado por Ziza. Carlos e Osmar formaram dupla de zaga, sucedidos por Cedenir e Deodoro, que havia sido deslocado da lateral-esquerda para o miolo de zaga. O ‘ferrolho juventino’ era transposto quando o time enfrentava adversários que sabiam usar bem as jogadas de fundo de campo. Edu Bala, nos tempos de Lusa e Palmeiras, cruzava para trás e alcançava as cabeçadas certeiras de Leivinha.
Antes da adoção dessa postura defensivista, o Juventus foi um time atrevido e até conquistou o Campeonato Paulistinha de 1971, organizado pela Federação Paulista de Futebol. Fez bonito, também, numa excursão ao Japão em 1974, quando sagrou-se campeão do Torneio Internacional da cidade de Tóquio, ao vencer o selecionado japonês por 2 a 0, na final.
Depois disso foi implantado a tal retranca, com opção do uso do contra-ataque. Assim, de vez em quando o time fazia as suas travessuras, surpreendendo até adversários poderosos, resultado no batismo de ‘Moleque Travesso’. O alvo principal era o Corinthians, castigado na maioria das vezes com gols do carrasco Ataliba. A rigor, por causa disso os cartolas corintianos o contrataram.

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Treinadores que ensinam

Às vésperas da largada da Copa do Mundo, durante treino de finalizações dos argentinos, o técnico Diego Maradona franziu a testa com o baixo índice de aproveitamento da boleirada, e fez questão de mostrar como de bate na bola. E como quem sabe nunca esquece, mostrou aos comandados como se faz. Chutou com precisão e colocou a “pelota” onde a coruja dorme, como se diz na gíria do futebol.
Naquele treino, Maradona repetiu aquilo que fazem dezenas de técnicos que jogaram futebol. A vantagem sobre companheiros de profissão que não jogaram é que explicam, na prática, como deve ser feito. O treinador Valdir Pereira, o Didi – já falecido – aperfeiçoava os lançamentos dos meias. Ensinava-os como melhorar o efeito na bola em cobranças de faltas, com a autoridade de quem foi o inventor da folha seca, tipo de finalização em que a bola faz curva e cai repentinamente, surpreendendo o goleiro adversário.
Dino Sani foi outro treinador que se preocupava em melhorar o condicionamento técnico do atleta. E quando o boleiro não cumpria a tarefa corretamente nos treinos, pegava a bola e ensinava como devia ser feito.
Quando passou pela Ponte Preta, em 1982, Dino comandou um time de medalhões como Dicá, Mário Sérgio e Jorge Mendonça (já falecido). Certa ocasião, Mário Sérgio (hoje técnico de futebol), para provocá-lo, fez questão de chutar a bola com força e bastante efeito em direção dele, para que dominasse. E o destemido Dino a amorteceu com categoria e ganhou confiança definitiva do discípulo.
A cada final do treino, Dino chamava os atacantes e mostrava como se pega de primeira em levantamentos do fundo do campo. Batia de sem-pulo e avisava o goleiro o canto que chutaria, sob olhares atônitos de seus comandados, que viam a bola ‘morrer’ na ‘gaveta’.
Dino já não tolerava trabalhar com jogadores de poucos recursos técnicos e de dificuldade de assimilação. Por isso foi perdendo a paciência, até que na segunda passagem como treinador da Ponte Preta abandonou o cargo no intervalo de um jogo contra o Novorizontino (clube já extinto), inconformado com a derrota por 2 a 0. “Não dá para trabalhar com tanto cabeça-de-bagre”, justificou. E cumpriu a promessa da aposentadoria.
Também pudera: foi um médio-volante que dava show nos gramados, e a recompensa foi o título na Copa do Mundo de 1958, na Suécia, como reserva de Zito. No XV de Jaú atuava na meia de armação. Foi recuado como volante no São Paulo, passando, ainda, por Milan da Itália e Boca Junior da Argentina. E encerrou a carreira no Corinthians, formando dupla de meio-de-campo com Rivelino, na década de 60. Para tomar bola do adversário valia-se do bom posicionamento, tempo certo de bola e capacidade de antecipação.
Com essas virtudes, a passagem de jogador para treinador foi sintomática no final da década de 60, com trabalho marcante no Inter (RS), Coritiba e Fluminense.

quinta-feira, 10 de junho de 2010

Rogério, de boleiro a pastor

Rogério, Gerson, Jairzinho, Roberto Miranda e Paulo Cesar Caju formaram uma das mais respeitáveis linhas de frente do Botafogo do Rio no biênio 1967/68, culminando com a conquista do bicampeonato estadual. Desse quinteto, só Rogério não integrou o grupo de jogadores tricampeões mundiais pela Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1970, no México. Não jogou, mas esteve lá. Uma lesão muscular, às vésperas da competição, implicou em seu corte dos selecionados, e o técnico Zagallo chamou o então goleiro Emerson Leão para sucedê-lo.
Rogério estava tão integrado ao grupo de jogadores brasileiros naquela Copa que acabou remanejado para a função de olheiro dos adversários. Desde aquela época mostrava-se comunicativo e pormenorizava detalhes observados.
Recuperado da contusão e de volta ao Botafogo, a torcida regozijou-se com o seu futebol hábil e veloz. O arranque era impressionante. Com passadas largas chegava facilmente ao fundo do campo ou fechava em diagonal rumo ao gol adversário. O estilo era semelhante ao de Renato Gaúcho, que fez sucesso no Grêmio e principais clubes cariocas.
O apelido de Rogério Ventilador foi decorrente dos movimentos com o braço quando driblava. Propositalmente ou não, muitas vezes mantinha seus marcadores distantes.
Dos tempos de Botafogo Rogério guarda um histórico de glórias e poucas derrotas. Uma das marcantes foi para o Flamengo no dia 31 de maio de 1969, por 2 a 1, no eternizado ‘jogo do urubu’.
Na década de 60, torcedores flamenguistas eram chamados de urubus pelos rivais. Motivo: a maioria era afro-descendente e pobre. Assim, um grupo de rubro-negros levou a ave escondida para o Estádio do Maracanã e, ao soltá-la, ela debandou para o setor dos torcedores botafoguenses, naquele confronto em 1969. Pronto. A partir daí o Flamengo adotou o símbolo do urubu.
O destino reservou passagem de Rogério também pelo Flamengo, clube escolhido para o encerramento da carreira em 12 de dezembro de 1973, na vitória sobre o Olaria por 2 a 1. E diferentemente dos companheiros que preferem prosseguir no futebol em outras funções, Rogério cursou Direito e foi advogar.
Depois enfrentou o duro golpe da perda do filho com cinco dias de vida. Claro que a cabeça entrou em parafuso, e ele só se reencontrou após ingresso na Igreja Messiânica, cuja doutrina é vida mais espiritualista. E de simples membro atingiu o posto de pastor, identificado como reverendo Rogério Hetmanek. Ele ensina, nos sermões, o conceito de Meishu-Same, que “quando alguém morre e tem muito apego a este mundo, se reencarna mais cedo. Mas isso não traz bons resultados, porque no mundo espiritual a purificação é mais rigorosa e, quanto mais tempo o espírito lá permanecer, mais será purificado”.
Pois é, as pessoas mudam. Se há 37 anos Rogério repetia nos microfones a obrigatória introdução “ouvintes meus cumprimentos”, hoje, como palestrante em universidade e currículo de quem publicou o livro ‘o Patriarca’, seu vocabulário faz inveja aos mais cultos dos boleiros.