segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Lusa, quem te viu; quem te vê!

 A decadência da Portuguesa de Desportos nos remete à coluna publicada em 13 de março de 2006, quando o torcedor do clube apenas havia sido consolado com o histórico glorioso. Nas décadas de 40 e 50 passou pela Lusa o lendário Pinga, um meia-esquerda rápido, driblador e principal goleador de todos os tempos com 190 gols. O prestígio rendeu-lhe atribuição de garoto propaganda do comercial da Gillette. Ele jogou ao lado de Júlio Botelho, o ponteiro-direito Julinho, já falecido.
 Na década de 60, a Portuguesa mostrou ao país os pontas-de-lança Leivinha e Servílio (falecido), eméritos cabeceadores. Quase simultaneamente surgiram o habilidosíssimo Ivair - apelidado de ‘o príncipe’ -, meia-esquerda Nair, baixinho Ratinho (falecido) que vestia a camisa 7, lateral-direito Jair Marinho e os zagueiros Ditão e Marinho Perez.
 A década de 70 foi marcante para a Portuguesa, que tinha incrível facilidade para reposição de jogadores. Quando Nair foi para o Corinthians, Basílio estava pronto para substitui-lo. O volante Lorico transferiu-se para o Botafogo (SP), mas Badeco ocupou a posição com vantagem, e posteriormente se transformou em delegado da Polícia Federal.
 Lembram-se do ataque da Lusa em meados da década de 70? Era formado por Xaxá, Enéas, Cabinho e Wilsinho. Xaxá, a exemplo de Ratinho, era um baixinho rápido e está radicado nos Estados Unidos. O centroavante Cabinho veio do América de Rio Preto (SP) e correspondeu plenamente. Wilsinho foi um ponteiro-esquerdo funcional, num ataque que tinha em Enéas o principal jogador.
 Enéas Camargo cravou seu nome como segundo maior artilheiro na história do clube com 179 gols. Apesar da fama de ‘dorminhoco’ em campo, provocava desespero nos adversários com dribles desconcertantes e facilidade para bater na bola.
 Ao se transferir ao Bologna da Itália, em 1979, não correspondeu. Quando ele estava na Udinese, o Palmeiras projetou recuperá-lo, mas era flagrante a trajetória da estrada da volta após seguidas contusões no joelho.
 No XV de Piracicaba, Enéas se recusou realizar exame antidoping depois de uma partida e foi penalizado com 90 dias de suspensão pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva) da CBF (Confederação Brasileira de Desporto). Na ocasião, ele quebrou o vidro para coleta de urina.
 Enéas morreu aos 34 anos de idade no dia 27 de dezembro de 1988, quando já era ex-atleta. Ele perdeu o controle de seu veículo Monza e o colidiu na traseira de um caminhão. Aí, foram quatro meses em coma.
 O último grande ídolo da Portuguesa foi Dêner, também ponta-de-lança, que coincidentemente perdeu a vida em acidente de automóvel no Rio de Janeiro em 1994, quando defendia o Vasco por empréstimo.

 O último momento marcante da Portuguesa foi em 1996, com o vice-campeonato brasileiro. Depois, restou só paciência ao torcedor luso.

2014, ano que marcou a morte de Di Stéfano

 É natural que você tenha esquecido da morte do lendário argentino naturalizado espanhol Alfredo Di Stéfano no dia e junho deste ano, em decorrência problemas cardíacos, às véspera da Copa do Mundo no Brasil.
 Di Stéfano tinha 88 anos de idade e a história mostra que antes da aparição de Pelé - indiscutivelmente o melhor jogador de futebol do planeta -, todas as honras do topo se concentravam em Di Stéfano.
 Paradoxalmente, este gênio do futebol não disputou uma Copa do Mundo sequer. Quando defendia o River Plate da Argentina, a partir de 1945, participou do Sul-Americano de Clubes de 1948, ocasião em que marcou quatro gols. Um ano depois o futebol argentino enfrentou uma greve de jogadores que reivindicavam melhores condições de trabalho, porque a pauta elaborada de negociações foi negada. Disso se aproveitou o clube Milionários da Colômbia para levá-lo, acenando com boa proposta financeira e sem necessidade de pagamento do passe, visto que a liga colombiana era amadora e não havia como a Fifa intervir.
 Lá, Di Stéfano participou de 292 partidas e marcou 267 gols. Logo, chegou ao selecionado da Colômbia, onde ficou conhecido como ‘Flecha Loira’. Por isso despertou interesse dos rivais espanhóis Barcelona e Real Madrid, que se digladiaram para contratá-lo. E naquele impasse surgiu proposta alternativa para que ambos se revezassem na vinculação do jogador a cada ano durante um quadriênio. Houve discordância do Barcelona e assim Di Stéfano se transferiu ao Real a partir de 1953.
 Velocidade, habilidade e gols aos montes consagraram este ponta-de-lança já naturalizado espanhol, que não se constrangia com a fama de ‘fominha’, com a justificativa de que “o goleador tem mesmo é que ser egoísta”. Só que a Espanha não se classificou à Copa do Mundo da Suécia de 1958, e assim ele aguardou quatro anos para a competição no Chile, jamais contando que fosse se lesionar às véspera do embarque, o que provocou o corte da delegação.
 Assim, restou continuar brilhando no Real Madrid até 1966, quando pendurou as chuteiras, sem contudo sair do meio. Optou por morar na Espanha e lá foi treinador de clubes e até presidente honorário do Real.
 E entre as muitas histórias que gostava de contar, Di Stéfano ressaltava que mesmo integrando o time do River Plate teve que serviu ao Exército argentino simultaneamente à carreira de atleta, obrigatoriedade da época tanto lá como cá.
 Talvez seja de desconhecimento da maioria que Pelé, mesmo após ter sido campeão mundial em 1958, um ano depois foi o soldado Nascimento do Grupo Motorizado da Costa da Praia Grande, do Exército brasileiro, conciliando a atividade de profissional do Santos F.C. E isso se repetia aos montes com jogadores brasileiros, que tinham naturais regalias de liberação para participação nos chamados treinos aprontos e dias de jogos.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Um ano sem Nilton Santos, a enciclopédia

 Em 16 de maio de 2005, quando Nilton Santos completou 80 anos de idade, a coluna o homenageou em vida. No dia 27 de novembro de 2013, data de falecimento dele, o texto foi recapitulado com adaptações. Agora, um ano depois do desaparecimento, poucos se lembraram do lateral-esquerdo da seleção do século XX, em votação de jornalistas no mundo inteiro. Ele aliava o estilo clássico à eficiente na marcação. Logo, era incapaz de dar um bico na bola.
 Antes de adoecer, com quase o dobro do peso dos tempos de jogador e sem o bigode ralo, coordenava uma escolinha para meninos do Distrito Federal. Já impaciente, se irritava com partidas de futebol truncadas e técnicos adeptos às retrancas.
 Nos tempos em que era terminantemente proibido laterais passarem do meio de campo, Nilton Santos contrariava a orientação e se mandava ao ataque. Foi assim que marcou três gols pela Seleção Brasileira, nos 85 jogos disputados.
 A biografia aponta início em Seleção Brasileira no dia 17 de abril de 1949, na goleada por 5 a 0 sobre o selecionado colombiano. Um ano depois foi reserva na Copa do Mundo no Brasil e titular absoluto de 1954 a 1962. A vitória por 3 a 1 sobre a Tchecoslováquia, na final em Santiago, no Chile, teve duplo significado: consagração do bicampeonato e despedida da Seleção aos 37 anos de idade.
 A malandragem de Nilton Santos, identificado como a enciclopédia do futebol, foi determinante para a conquista do bi. Na terceira partida da competição, contra a Espanha, o Brasil perdia por 1 a 0, gol de Abelardo, e ao cometeu pênalti - pelo menos um metro dentro da área - sobre um espanhol, ele levantou os braços, adiantou-se e induziu o árbitro chileno Sergio Bustamante - mal colocado no lance - a marcar apenas a falta.
 Com o erro da arbitragem e o futebol endiabrado de Garrincha, o Brasil conseguiu reverter o placar e vencer por 2 a 1, dois gols do também botafoguense Amarildo.
 Depois daquilo, Nilton Santos ainda jogou mais dois anos pelo Botafogo-RJ. Pendurou as chuteiras em 16 de dezembro de 1964, na vitória por 1 a 0 sobre o Bahia, fechando, portanto, uma história de 17 anos como jogador de um só clube: seu amado Botafogo-RJ, onde disputou 729 partidas e marcou 11 gols.
 Em 1947, quando se apresentou no Botafogo-RJ, Nilton Santos treinou como atacante, mas foi mandado para a defesa por ordens do lendário dirigente Carlito Rocha.

 Experiência amarga foi vivida em 1956, num treino do Botafogo, quando teve de marcar um ponteiro-direito de pernas tortas. E o atrevido Mané Garrincha passou a bola entre as pernas dele, que atribuiu o lance ao acaso. Na seqüência, outra ‘caneta’ e dribles desconcertantes. Ao final do treino, o lateral chamou um dirigente do clube e ordenou a contratação do rapaz do município Pau Grande, no Estado do Rio de Janeiro. O resto da história o mundo conhece.

domingo, 7 de dezembro de 2014

Dalmo ficou com a fama e Geraldino esquecido

 Deu no finado jornal impresso A Gazeta Esportiva no dia 15 de novembro de 1963: ‘Sem Calvet, sem Zito, sem Pelé Santos ganhou de 4 e deu olé’. A linha fina complementou a manchete com citação de ‘gols de Pepe, Lima e Almir liquidaram o Milan’.
 É que na noite anterior o Santos havia devolvido ao Milan o placar adverso de 4 a 2 da Itália, da primeira partida da final do Mundial Interclubes. Este segundo jogo foi disputado no Estádio do Maracanã, no Rio de Janeiro, diante de 132.728 pagantes. Com igualdade na pontuação e saldo de gols entre clubes, foi necessária uma terceira partida dois dias depois, no mesmo local, ocasião em que Santos venceu por 1 a 0, gol de pênalti assinalado pelo lateral-esquerdo Dalmo, que originou o bicampeonato mundial.
 Curioso é que por cinqüenta anos o lateral-esquerdo Geraldino, do Santos, conviveu silenciosamente com a injustiça do nome excluído entre os desfaques nas partidas disputadas no Brasil. Por isso reivindicou reconhecimento em entrevista ao jornal A Folha de São Paulo de novembro de 2013, durante a comemoração do cinqüentenário do bicampeonato mundial de clubes: “Todo mundo diz que o Santos teve três desfalques naquela decisão - Zito, Calvet e Pelé -, mas se esqueceram do Geraldino. Joguei a primeira partida na Itália, quando perdemos para o Milan. Só não joguei no Rio por causa de uma lesão no joelho”.
 De fato, na primeira partida daquela final o quinteto defensivo santista era composto por Gilmar; Lima, Haroldo, Calvet e Geraldino. E esta formação já havia sido registrada na reta de chegada da Libertadores da América daquela temporada: empate por 1 a 1 e goleada por 4 a 0 sobre o Botafogo (RJ) na semifinal, e vitórias diante do Boca Junior na final: 3 a 2 no Brasil e 2 a 1 na Argentina.
 Geraldino em questão não é diminutivo de Geraldo. É nome mesmo: Geraldino Antonio Martins, nascido em 11 de janeiro de 1940, em Raposos (MG). Curiosamente, na adolescência quase o futebol perde um lateral-esquerdo que desarmava sem recorrer às faltas e veloz para levar a bola ao ataque. É que ele foi seminarista e por isso ganhou o apelido de padre. E antes de se profissionalizar no Vila Nova de Nova Lima foi alfaite.
 A notoriedade no futebol implicou na transferência ao Cruzeiro em 1960, e três anos depois foi eleito o melhor lateral-esquerdo do Brasil. Por isso acabou contratado pelo Santos na maior transação até então feita por clubes mineiros. Vasco e Botafogo também estavam no páreo para contratá-lo e surpreendentemente ele manifestou interesse de continuar em Belo Horizonte, justificando família adaptada por lá.

 A transferência foi compensada com títulos paulistas do Peixe em 1964, 65 e 67. Em 1966 ele perdeu o posto de titular para Rildo, contratado ao Botafogo. E três anos depois se transferiu à Portuguesa, onde ficou por duas temporadas.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Romeu, o rei da cambalhota

 Difícil dizer quando foi inventada a cambalhota no futebol, na comemoração de gols. É certo que Romeu Cambalhota foi um dos jogadores que mais se identificaram com esse comportamento. Caio Cambalhota, atacante revelado pelo Botafogo (RJ) na década de 60 - com passagens por Flamengo e Ponte Preta -, também a abusava. Ele participou de uma família de boleiros atacantes, casos de César Maluco, do Palmeiras, e Luisinho, que fez sucesso no América do Rio de Janeiro.
 Romeu Evangelista, mineiro de Esmeralda , 64 anos de idade completados em março, foi revelado pelo Galo mineiro no final da década de 60, e lá jogou até 1974. Ao se transferir para o Corinthians manteve o estilo de ponteiro-esquerdo que travava duelos interessantes com laterais. Além de levar a bola ao fundo do campo, sabia entrar em diagonal, e trabalhava bem a jogada com laterais-esquerdos. Assim marcou 34 gols em 220 jogos pelo Timão e chegou à Seleção Brasileira em 1975, levado pelo treinador Oswaldo Brandão.
 Romeu também integrou o inesquecível time corintiano de 1977 que acabou com jejum de títulos de quase 23 anos, contra a Ponte Preta, nas finais do Campeonato Paulista, em três jogos no Estádio do Morumbi.
 Brandão era o comandante da equipe e a nação corintiana esperava a conquista do título na segunda partida daquela final, num domingo à tarde, após a vitória por 1 a 0 na primeira partida. Para surpresa geral, a Ponte ganhou de virada o segundo jogo, por 2 a 1, e provocou partida extra, que resultou na explosão dos corintianos com o gol da vitória marcado por Basílio.
 Na ocasião, o time corintiano era formado por Tobias (Jairo); Zé Maria, Moisés, Ademir Gonçalves e Cláudio Mineiro; Luciano, Basílio e Palhinha; Vaguinho, Geraldão e Romeu Cambalhota.
 Na época, Romeu exibia uma vasta cabeleira black power e costeleta. Era brincalhão e por isso entrou na relação dos jogadores folclóricos. E ainda no Corinthians voltou a ser campeão em 1979, coincidentemente contra a Ponte Preta.
 Nos anos 80/81 Romeu teve passagem pelo Palmeiras, oscilando algumas boas atuações com outras discretas. Curioso é que após essa experiência ele fez uma revelação que provocou indignação entre palmeirenses: “Já vesti a camisa do Palmeiras, mas tenho a cara do Corinthians”.
 No final de carreira, Romeu seguiu exemplos de vários veteranos brasileiros ao se transferir para o Milionário de Bogotá, na Colômbia. Claro que no futebol colombiano já não era nem sombra daquele ponteiro dos tempos de Atlético Mineiro e Corinthians.

 E mesmo depois de deixar a carreira de atleta profissional, ainda continuou ligado aos meios esportivos em equipes de veteranos e máster formadas por ex-profissionais que participam de exibições no País. E aí mostra um futebol diferenciado em relação aos companheiros de faixa etária.