segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

Travaglini, de bonachão a conceituação tática

  A morte do treinador aposentado Mário Travaglini neste 21 de fevereiro, aos 81 anos de idade, decorrente de um tumor cerebral, nos remete à reflexão de como mudou radicalmente a atribuição do comandante de time de futebol nas últimas três décadas. Naquela ocasião, a competência do profissional se resumia a escalar corretamente os melhores jogadores do elenco, trabalhar tecnicamente para melhorar a condição do atleta, e passar instruções básicas de marcação e exploração de deficiências do time adversário.
 Tão importante quanto observações citadas, exigia-se do treinador de outrora que fosse autêntico líder no grupo de jogadores. Não precisava necessariamente ser disciplinador, até porque atletas preferiam comandantes conciliadores de divergências internas e agregadores.
 Inicialmente Travaglini copiou o estilo de treinador bonachão, amigo dos jogadores. Com este perfil, ganhou confiança de boleiros e a retribuição foi sintomática nos jogos. Foi assim no Palmeiras, Corinthians, São Paulo, Fluminense e Vasco, clubes mais relevantes que dirigiu entre as décadas de 60 e 80.
 Para descomplicar, no começo incorporou ao grupo o imortal bordão da bola em que ‘cada um pega o seu’, ou seja, o jogador marcava o adversário indicado, um esquema absorvido de seu mestre Oswaldo Brandão, de quem foi auxiliar no Palmeiras na década de 60. Foi lá que aprendeu a fechar os olhos para eventuais atitudes inconvenientes de comandados, e assim visava preservação do bom ambiente no grupo de atletas. Não descartem a hipótese dele flagrado Brandão com garrafão de cachaça no ombro e oferecendo doses até desproporcionais para boleiros.
 E quando ficava vago o cargo de treinador no Palmeiras, lá estava Travaglini para assumir interinamente a função, até ser efetivado no período em que o clube foi conceituado como ‘academia de futebol’. Assim, consta da biografia dele as conquistas do título paulista em 1966 e da Taça do Brasil e Roberto Gomes Pedrosa em 1967, com direito a vaga na Libertadores.
 Na trajetória de Travaglini consta passagem pelo Rio de Janeiro, quando importou dos europeus conceituação tática não habitual no futebol brasileiro da época. No Vasco, comemorou o título do Campeonato Brasileiro de 1974; no Fluminense participou do título estadual dois anos depois.

 O bom relacionamento no futebol e retidão serviram para colocá-lo como supervisor da comissão técnica do treinador Cláudio Coutinho - já falecido - na Seleção Brasileira que disputou a Copa do Mundo de 1978.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

Oito anos sem Jorge Mendonça

  Este 17 de fevereiro marca o oitavo ano da morte do meia Jorge Mendonça, que havia fixado residência em Campinas a partir de 1980, quando foi contratado pelo Guarani. Num gesto carinhoso de bom filho, ele trouxe à cidade os pais que moravam no Rio de Janeiro.
 Jorge Mendonça deixou impressão de atleta indisciplinado por causa de rugas mal explicadas dos tempos em que trabalhou com o treinador Telê Santana - também falecido -, no Palmeiras.
 Rancoroso, Telê foi à forra ao não relacioná-lo à Copa do Mundo da Espanha, em 1982, quando treinava a Seleção Brasileira, justamente no período em que Jorjão atravessava uma das melhores fases da carreira.
 Quem jogou ao lado dele, como o ex-meia pontepretano Dicá, em 1983, dá outro testemunho do então companheiro: ‘Parecia uma moça’. O também falecido treinador Zé Duarte, que o comandou de 1980 a 1982 no Guarani, cobrava postura mais egocêntrica de seu ex-pupilo: “O Jorge era um bobão. Gostava de todo mundo e não aprendeu a gostar dele mesmo”.
 Zé Duarte ficava indignado com a vida de seu ex-craque de bar em bar, exatamente porque tinha um carinho especial por ele, tanto que lhe dispensava tratamento diferenciado em relação ao grupo de jogadores. “De vez em quando o Jorge tomava umas a mais à noite e, quando isso acontecia, no dia seguinte eu o deixava descansando”.
 Depois, na conversa ao ‘pé do ouvido’, o paizão Zé Duarte cobrava dele que decidisse a próxima partida. “E o Jorge decidia”, lembrava o treinador, justificando ao grupo as razões de regalias ao craque.
 Em 1980, quando o então presidente do Guarani, Antonio Tavares Júnior, o contratou para repor a saída do meia Renato ‘Pé Mucho’, um jornalista o contestou em off (sem divulgação): “Presidente, trazer refugo do Vasco! Jorge Mendonça já era”.
 O tempo provou o acerto da contratação. Tavares Júnior usou o dinheiro da venda do passe de Renato para construir 4/5 do tobogã (principal lance de arquibancada do Estádio Brinco de Ouro), e ainda teve sobra para buscar Jorge Mendonça, meia-atacante mais qualificado que Renato, artilheiro nato, emérito cabeceador e acerto em cobranças de falta perto da área adversária.
 Só no Guarani Jorge Mendonça marcou 58 gols em 1981, sendo 38 deles no Campeonato Paulista. Na passagem pelo Palmeiras marcou o gol de cabeça da conquista do título paulista de 1976.
 O meia foi mais uma das histórias de ‘boleiros’ que não sabem o que fazer quando as pernas ficam cansadas e acaba a carreira de jogador. A Ponte lhe deu chance para ingressar na função de treinador da categoria de juniores, mas faltou-lhe a aptidão de comandante. Assim, não prosperou na atividade.

 Sem projeto definido para retomada de emprego, com dinheiro rareando e família dividida, ele enfrentou repetidas dificuldades decorrentes de boleiros naquela situação. 

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Lula, ponteiro bom de bola e rebelde


 O apelido Lula para pessoa com nome Luís ou Luiz está em desuso há pelo menos duas décadas. Duvida? Aponte nos campeonatos dos principais centros do país atletas identificados desta forma?
 Outrora os Lulas se espalhavam por este Brasil afora, e um deles foi presidente da República. No futebol, os dois mais famosos foram Luís Alonso, vitorioso treinador do Santos nos anos 60, e Luís Ribeiro Pinto Neto, ponteiro-esquerdo pernambucano de Arco Verde, que fez sucesso no Fluminense e Inter (RS).
 O driblador e veloz Lula em questão foi rebelde e bateu de frente com o treinador Rubens Minelli quando trabalharam no clube colorado na década de 70. O então atleta chegou ao clube em 1974 quando era montado o time dos sonhos do torcedor, que resultou na conquista do bicampeonato brasileiro no biênio de 1975-76, num time cuja base era formada por Manga; Valdir, Figueroa, Hermínio e Chico Fraga; Caçapava, Falcão e Carpeggiani; Valdomiro, Flávio Minuano e Lula. Além deles, Cláudio Duarte, Jair e Escurinho eram opções.
 Apesar disso, no ápice da carreira Minelli pediu demissão porque já não suportava Lula. O blogueiro gaúcho Marcelo Xavier reproduziu desabafo do treinador naquela ocasião; “O Lula enche todo dia. Todo dia é uma tragédia. Quer bicho, nunca chega na hora, e assim não dá para continuar”.
 Visando contemporizar o problema, o vice-presidente de futebol Federico Arnaldo Ballvé reuniu o elenco, e segundo descrição do jornalista Xavier o tom da conversa foi áspero.
 - Vocês viram o que fizeram - berrava o dirigente com palavrões.
- O Minelli pediu demissão. Quem tem algo contra ele que? -, desafiou Ballvé, projetando que todos se calariam.
- Eu tenho - apressou-se em responder Lula, de mãos erguidas.
- Tu não - interrompeu Ballvé.
- Tu briga até com a tua mãe - retrucou o hábil dirigente, que contornou o problema com a permanência de ambos no clube, e alardeou à mídia que “durante a semana o Lula nos incomoda, mas no domingo ele incomoda os adversários”.
 Lula ficou no Inter até 1977, quando se transferiu para o Sport Recife. E dois anos depois ele encerrou a carreira de atleta, migrando para as funções de treinador, com passagem até pela Arábia Saudita. Em novembro passado Lula completou 67 anos de idade.
 A carreira de atleta foi desabrochada no Fluminense em 1965, mas só ganhou notoriedade após rápido empréstimo ao Palmeiras dois anos depois. Em 1971, ele marcou o gol do título carioca para o Fluminense sobre o Botafogo, num time formado por Félix, Oliveira, Galhardo, Assis e Marco Antonio; Silveira e Didi (Flávio Minuano); Wilton (Cafuringa), Cláudio Garcia, Ivair e Lula. Na ocasião, o Estádio do Maracanã recebeu público de 142.339 pagantes. Lula participou ainda de 13 jogos pela Seleção Brasileira na década de 70.
            

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

Oito anos sem o zagueiro Samuel

  Do clássico zagueiro Samuel Arruda restou apenas lembranças. Ele morreu na madrugada do dia 5 de fevereiro de 2006, aos 57 anos de idade, vítima de complicações cardíacas.
 Foi o ex-atacante Babá, com passagens por Guarani e São Paulo, quem o indicou ao então técnico do juvenil da Ponte Preta, Zé Duarte (já falecido), para testes. E Samuca, apelido de infância, chegou ao Estádio Moisés Lucarelli na carroceria de um caminhão de areia.
 Samuel era brincalhão e se divertia com gargalhadas. Em campo, não só comprovava as qualidades de um zagueiro clássico como abusava da confiança lembrando os lendários Mauro Ramos de Oliveira e Ramos Delgado.
 No começo de carreira, era raro passar uma partida sem aplicar chapéu em atacante adversário, por puro deboche. Samuel era um zagueiro tão qualificado que em 1968 superou medalhões na posição e ganhou vaga no time principal da Ponte, que ‘brigava’ pelo acesso à divisão principal do futebol paulista.
 O zagueiro desarmava com sabedoria, matava a bola no peito dentro de sua área, arriscava dribles sem temor, conduzia a bola de cabeça erguida, interceptava cruzamentos de cabeça com entrega principalmente aos laterais ao invés do rebote sem direção. Logo, com essas virtudes, teria que despertar interesse de grandes clubes.
 Samuel, sempre com cabelos caídos na testa, deu seqüência à carreira no São Paulo de 1971 a 1975, ocasião em que ganhou a posição do botinudo Paranhos. Ele atuou separadamente com estes jogadores: Sérgio Valentin; Pablo Forlan, Samuel, Arlindo e Gilberto Sorriso; José Carlos Serrão, Pedro Rocha e Muricy Ramalho; Terto, Serginho Chulapa e Paraná.
 Em 1976 teve a responsabilidade de substituir Luís Pereira no Palmeiras. Luisão e o meia Leivinha tiverem passes negociados com o Atlético de Madri, da Espanha, e as vagas foram repostas por Samuel e Jorge Mendonça, um meia que era ídolo do Náutico (PE).
 E logo no primeiro ano de Palmeiras comemorou título estadual, na memorável vitória sobre o XV de Piracicaba por 1 a 0, gol de Jorge Mendonça, em jogo que o Estádio Palestra Itália recebeu público recorde: 40.283 pagantes.

 O volante Dudu, que havia abandonado a carreira de jogador, foi bem sucedido como treinador ao substituir Osvaldo Brandão. O time palmeirense da época contou com Leão; Valdir, Samuel, Arouca e Ricardo; Pires, Ademir da Guia e Jorge Mendonça; Edu Bala, Toninho e Nei.
 Samuel ainda jogou no Sport Recife e Noroeste (SP). Em 1980, quando estava sem clube, foi vítima de um acidente nas proximidades de Bauru, quando um caminhão chocou-se contra a traseira de seu automóvel, provocando, como seqüela, a perda do olho esquerdo. Acabava ali uma carreira digna de registro.