domingo, 26 de abril de 2009

Goleiro, quanta mudança!

Por Ariovaldo Izac

Olá pessoal, vamos que vamos. Cá estamos nós, novamente, para a sequência da empreitada neste espaço com as tradicionais histórias de boleiros do passado. E hoje, diferentemente da característica habitual da coluna, com enfoque em um personagem, será feito um apanhado geral da evolução técnica dos goleiros brasileiros, outrora vistos com desconfiança.
Muito se falou que o goleiro Fábio Costa, dos Santos, joga adiantado, e que habilmente o fenômeno Ronaldo, do Corinthians, explorou a situação para marcar aquele golaço, por cobertura, na primeira partida da final do Paulistão 2009.
Deve-se acrescentar que Fábio Costa é mais um exemplo de goleiro brasileiro com tal característica, justamente porque frequentemente sai de sua grande área e, por vezes, até joga de líbero.
Hoje, o goleiro brasileiro joga bem mais com os pés e consta dos anais do esporte até um chapéu aplicado pelo são-paulino Rogério Ceni sobre o atacante Tuta, então jogador do Palmeiras, em novembro de 2000.
Outros tempos, goleiro brasileiro tinha fama de não saber sair do gol para interceptar cruzamentos, e por essa e outras razões cartolas buscaram no mercado sul-americano atletas da posição. Entre as décadas 60 e 80 pra cá vieram os uruguaios Maidana e Rodolfo Rodrigues para Palmeiras e Santos, respectivamente. O argentino Ubaldo Fillol disputou a Taça Guanabara pelo Flamengo em 1984. O Atlético Mineiro buscou o regularíssimo uruguaio Mazurkievs e o polêmico argentino Miguel Angelo Ortiz, que chegou em 1976. Ortiz morreu em 1995, aos 48 anos de idade, em decorrência de cirrose. Também da Argentina aportou na Vila Belmiro o goleiro Cejas, que brilhou no Santos e depois foi jogar no Grêmio (RS).
Evidente que durante aquele período goleiros como Emerson Leão, Valdir Peres, Carlos e Paulo Vitor foram elogiados por atuações destacadas, mas a transformação radical na função surgiu com a criação do cargo de preparador de goleiros na década de 70. E foi Valdir Joaquim de Moraes o pioneiro nesse trabalho. Até então, os goleiros se incumbiam de treinar os colegas com chutes de qualquer distância, sem que se observasse as devidas correções.
Hoje se diz que goleiro é o profissional que mais treina no elenco. Há preocupação em condicioná-lo de forma adequada no aspecto físico e psicologicamente, para não se abalar com falhas grotescas.
Há muito não se tolera goleiro baixinho. Valdir de Moraes, por exemplo, com pouco mais de 1,70m de altura, jamais faria carreira no Palmeiras. Ubirajara, do Bangu, no mesmo período, sequer teria chances de mostrar que a baixa estatura pode eventualmente ser compensada com outras virtudes.
Felizmente o goleiro brasileiro mostrou sua transformação ao mundo inteiro. Se antes era utopia projetar exportação do profissional deste setor, hoje vê-se Júlio Cesar pegando tudo na Inter de Milão. Igualmente Doni é bem conceituado no Milan, da Itália, e por isso divide convocações à Seleção Brasileira com Júlio César. Melhor assim.

segunda-feira, 20 de abril de 2009

Escurinho, bom reserva

Por Élcio Paiola, interino

A perna direita do ex-centroavante Luiz Carlos Martins, o Escurinho, lhe deu um apoio extraordinário para que tivesse magnífica impulsão nos saltos para cabeceios na década de 70. Na manhã de domingo (19/04), médicos do Hospital das Clínicas de Porto Alegre (RS) tiveram de irremediavelmente proceder a amputação do joelho para baixo. Motivo: insuficiência renal e diabetes não controlados com tratamentos para regularizar o funcionamento vascular.
Este mesmo Escurinho havia aparecido pela última vez na mídia em dezembro passado, ao compor o Hino do Centenário para o Internacional (RS), exibido em vídeo no site do jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Na letra, ele enfatiza que “ganhamos tudo”, quando alardeia seu amor pelo clube colorado. Hoje, aos 59 anos de idade, já não está casado e conta com três filhos: Cassius, Síntia e Marcellus.
Escurinho fez parte daquele elenco formado por jogadores altos e fortes do Inter na década de 70, e a filosofia do técnico Rubens Francisco Minelli deu certo. O time foi pentacampeão gaúcho de 1971 a 76, bicampeão brasileiro em 75/76, e contava em seu elenco com o excelente goleiro Manga, recordista em longevidade no futebol. Manguita, como era chamado pelos companheiros, encerrou a carreira aos 44 anos de idade jogando pelo Nacional de Quito, no Equador. A exemplo dele, passaram pelo Estádio Beira-Rio jogadores renomados como o zagueiro chileno Elias Figueiroa, lateral-esquerdo Vacarias, meio-campistas Batista, Caçapava, Falcão e Bráulio, e atacantes definidores como Valdomiro, Dario e Claudiomiro. Com tantos “cobras”, era difícil sobrar um lugar entre os titulares para Escurinho, que tinha a sina de entrar no segundo tempo e decidir jogos, invariavelmente com gols de cabeça.
Curioso é que Escurinho era jogador típico de segundo tempo. Era um fiasco quando escalado desde o início da partida. O próprio atleta se conscientizou disso e encarava a reserva com naturalidade. Reserva não: era o 12º jogador.
Exemplo idêntico ao de Escurinho foi o do também atacante Fedato, jogador do Palmeiras. Fedato, que morreu há dez anos, decepcionava quando escalado desde o início das partidas. No entanto, bastava se aquecer para entrar em campo aos 10 ou 15 minutos do segundo tempo para a torcida palmeirense ficar na expectativa de gols. Fedato empurrava a bola pra dentro do gol, na década de 70, de qualquer jeito: ora de cabeça, ora levando vantagem em bola repartida com zagueiros. Fedato era um “fazedor” de gols por excelência.
Escurinho também jogou no Palmeiras e fez os costumeiros gols de cabeça no segundo tempo. A marca registrada de Inter (RS) continuou no Parque Antártica. E quando os gols começaram a rarear, seu itinerário do futebol foi a castigada “estrada da volta”, até encerrar a carreira no Caxias do Rio Grande do Sul, em 1985.

segunda-feira, 13 de abril de 2009

Futebol e as suas metáforas

Por Élcio Paiola (interino)

Desde mil novecentos e bolinha brinca-se muito com o futebol. Veja bem, a brincadeira em questão nada tem a ver com trapalhadas de cartolas sem escrúpulo que espezinham torcedores. Trata-se de uma brincadeira sadia que o transforma no segundo segmento mais abusado de metáforas no país. Nesse ranking, perde apenas para os bordões do banditismo, correto?
O futebol é tão singular a ponto de um “boleiro” alertar o companheiro da aproximação de ladrão, sem que haja reação intempestiva de quaisquer das partes. Diferentemente do ladrão que se apodera de objetos e dinheiro da vítima, o ladrão do futebol só desarma o adversário.
Locutores de rádio vão além durante transmissões de jogos ao citarem que fulano “bateu a carteira” de sicrano. E, em outras situações, identificam chute de longa distância como do meio da rua, como se gramado fosse pavimento asfáltico. E quando o lateral tem espaço para avançar, citam que há um corredor ou uma avenida à frente.
Esse metafórico futebol transforma zagueiro de caixa torácica avantajada em armário ou guarda-roupa. Quando toda musculatura é bem desenvolvida, citam que é um cavalo. Curioso é que isso inspirou frasistas de plantão a rotularem mulher de cintura fina, coxas grossas e bunda bem formatada de "cavala".
O reino dos animais emprestou outras metáforas ao futebol. Quem opta por marcação implacável sobre um adversário é um carrapato ou mordedor, sem que se faça alusão direta a um cão.
Só na bola o matador é ovacionado. Por causa da responsabilidade de marcar gols e decidir partidas tem salário mais robusto que os companheiros. Claro que esse matador se irrita quando depara com zagueiro que mata a jogada, expressão atribuída àquele que abusa dos lances de falta.
Jogador com essa característica costuma ser apelidado de xerifão e não se constrange de chutar a bola de bico para tirá-la das imediações de sua área. Chutar de bico, na linguagem de boleiro, é injeção.
Chute muito forte é conceituado como canhão. O ex-ponteiro-esquerdo Pepe, que furava a rede adversária nos tempos de Santos, nas décadas de 50 e 60, ainda é chamado de “Canhão da Vila”. Chute de curva com a parte externa do pé é o tal de três dedos. Nesse quesito, o ex-lateral-direito Nelinho, que jogou no Cruzeiro e Atlético (MG), foi quem mais se aproximou da perfeição.
A bola inspira poetas do futebol a intermináveis metáforas. O passe com muita força é ironizado como "tijolo". O craque alisa, acaricia ou penteia a bola, enquanto cabeça-de-bagre (jogador fraco) judia dela. O jogador que abusa de dribles improdutivos é aquele que amarra a bola.
Décadas passadas, tecnocratas do futebol inventaram a tal de segunda a bola, que nada mais é do que a bola do rebote. E goleiro que a rebate para o interior de sua área é chamado de mão de pau.
Quem observa atacante se deslocar frequentemente pelas extremidades do campo talvez desconheça que o comandante o orientou a fazer o "rabo de vaca". Por que rabo de vaca? Só tem uma explicação: ela balança o rabo para os dois lados.
Outros tempos, e em algumas regiões do país, técnico de futebol também era chamado de químico por causa das mexidas imprescindíveis em sua equipe. E o "químico" Otacílio Pires de Camargo, o Cilinho, inovou em cobranças de escanteios do adversário. Em vez de dois, posicionava três jogadores de seu time no ataque, justamente para evitar que zagueiros contrários fossem à sua área para cabecear.

segunda-feira, 6 de abril de 2009

Giulite Coutinho, o dirigente

Por Élcio Paiola (interino)

O ex-presidente da CBF (Confederação Brasileira de Futebol) Giulite Coutinho havia deixado uma ordem para que, quando morresse, ninguém fosse avisado. As pessoas que o cercavam a cumpriram só por algumas horas no dia 4 de abril, quando ele morreu, vítima de ataque cardíaco, após se submeter a cirurgia na boca, no Rio de Janeiro. O dirigente tinha 87 anos de idade.
Após ter sido cremado, o fato foi amplamente divulgado. Aí, desportistas da velha guarda logo lembraram das modificações que Giulite começou a implantar no futebol, quando presidiu a entidade entre 1980 a 1986.
Giulite chegou à Rua da Alfandega - sede da CBF - com histórico ligado ao América do Rio, clube que presidiu nos biênios 1955/56 e 1969/70. Foi sócio benemérito e comandou a comissão de obras da arena esportiva do clube, que recebeu o seu nome. O estádio, inaugurado parcialmente em 2000, tem capacidade para acomodar 6,1 mil torcedores, e fica em Edson Passos, distrito de Mesquita.
Evidente que a má fase do América o entristecera. O rebaixamento no Campeonato Estadual do Rio de Janeiro do ano passado o incomodou. Afinal, o clube tem sete títulos na competição, o principal deles em 1960, ano em que o compositor e fanático torcedor Lamartino Babo festejou com traje de um diabo.
Giulite começou a projetar uma nova estrutura para o futebol nos anos 80. Teve a sorte de assumir a recém criada CBF, entidade que passou a cuidar exclusivamente do futebol, diferentemente da antecessora CBD (Confederação Brasileira de Desporto), que centralizava a organização do esporte em todo país. Hoje, cada modalidade tem a sua confederação.
Assim, se em 1979 o Campeonato Nacional teve o recorde de clubes - total de 94 -, em 1980 o número foi reduzido com a adequação em três divisões: Taça de Ouro (40 clubes), Taça de Prata e Taça de Bronze. Curioso é que na administração Giulite foi criada a repescagem, alternativa que dava chances aos clubes da Taça de Prata ingressarem na divisão principal a partir da segunda fase.
A experiência foi repetida até 1985, com variações de fórmulas a partir da terceira fase. As opções foram composições em grupos de quatro clubes ou jogos eliminatórios. Em 1986 foram incluídos mais quatro clubes e o campeonato teve 44 participantes.
Naquela época os clubes não tinham cadeira cativa nas principais competições organizadas pela CBF. As vagas eram conquistadas nos campeonatos estaduais, observando-se as melhores colocações. Por isso Palmeiras e Corinthians disputaram a Taça de Prata.
Bem que Giulite tentou fazer o seu sucessor no processo eleitoral da CBF. Seu diretor de futebol João Maria Medrado Dias foi candidato da situação, derrotado pela dupla Otávio Pinto Guimarães e Nabi Chedid, respectivamente candidatos a presidente e vice, ambos já falecidos.
Na prática, Otávio e Nabi pegaram um “abacaxi”. Ao assumirem em 1987 enfrentaram resistência de grandes clubes, que criaram o Clube dos 13 e organizaram a Copa União com 16 equipes, posteriormente incorporada pela CBF. A exigência da entidade, constada em regulamento, era o cruzamento dos módulos: os dois primeiros colocados do módulo verde (Copa União) deveriam enfrentar os dois primeiros do módulo amarelo (segunda divisão), em um quadrangular decisivo. O Clube dos 13 rechaçou a medida e a CBF reconheceu o Sport (PE) como campeão após jogos decisivos contra o Guarani.
Depois disso Guilite esteve ligado apenas ao América e pouco se falou dele até a morte.