segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Leônidas da Silva, o inventor da bicicleta


 Outrora comentaristas de futebol de mídias eletrônicas torciam o nariz com 'infiltração' de ex-jogadores no meio. Claro que o principal motivo foi divisão do espaço, mas alguns acrescentavam que ex-atleta é corporativista e, em vez de críticas ácidas quando a situação exige, contemporiza. Já o público interpreta que experiências vividas em gramados agregam em transmissões esportivas.

 Nas décadas de 60 e 70, quando se impostava vozes para comentar futebol, a Rádio Jovem Pan teve preocupação com conteúdo e valorizou para o posto o ex-atleta Leônidas da Silva, fenômeno nas décadas de 30 e 40, e sem papas na língua pra transmitir aquilo que via. Se nos tempos de jogador do São Paulo ele criticava com aspereza companheiros após erros grosseiros - gerando clima de desarmonia -, evidente que não pouparia a boleirada estando do outro lado do balcão.

 O saudoso Leônidas tinha credenciais para externar com clareza aquilo que pensava. O currículo de centroavante recheado de recordes sintetiza tudo. Foram 38 jogos e 38 gols pela Seleção Brasileira, oito deles como artilheiro na Copa do Mundo da França de 1938. Das 153 partidas pelo Flamengo, a marca foi de 149 gols. E quem no São Paulo teve histórico com a proporcionalidade dele, de 144 gols em 211 jogos?

 Apesar da exuberância desses números, de quem na estreia com a camisa são-paulina arrastou o inigualável público de 72.018 pagantes no Estádio do Pacaembu, no empate por 3 a 3 com o Corinthians, dia 24 de janeiro de 1942, ele não extrapolava. Quando lhe atribuíram a pecha de inventor da bicicleta no futebol, deu crédito a Petronilho de Brito como pioneiro da arte, justificando que aperfeiçoou as pedaladas no ar a partir do Estádio Centenário, em Montevidéu (URU), em jogo da Seleção.

 O talento de Leônidas da Silva rendeu o apelido de Diamante Negro. Mais que isso: a indústria Lacta captou a incorporação a um chocolate, com aceitação imediata. Assim, a história desse astro do futebol brasileiro teve epílogo no dia 24 de janeiro de 2004, quando, vitimado pelo Al Zheimer, morreu em Cotia (SP), aos 90 anos de idade. Todavia, será recontada eternamente pela singularidade.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Alzheimer mata mais um boleiro: Altair


 Em janeiro passado, cientistas da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) abriram perspectiva para futuramente se comemorar a cura do Mal de Alzheimer, através de tratamento que possa anular os efeitos nocivos de perda progressiva da memória do paciente. Enquanto isso, o SUS (Sistema Único de Saúde) fornece remédios que ajudam a retardar a evolução dos sintomas.

 A demora para se vencer o desafio provoca vítimas que marcaram história no futebol, a última delas o ex-lateral-esquerdo e quarto-zagueiro Altair Gomes de Figueiredo, morto neste nove de agosto, aos 81 anos de idade. Ele faz parte da história do Fluminense como quarto jogador que mais vestiu a camisa do clube - 551 jogos -, entre as décadas de 50 e 60. E consta no currículo dele ter integrado a Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 1962 e 1966.

 Em comum entre Altair e Édson Cegonha foi que atuaram como lateral-esquerdo, embora a posição originária de Cegonha tenha sido de volante, com passagens por Corinthians, São Paulo e Palmeiras. A maldição do Alzheimer implicou que ambos ficassem perdidos em ruas, sem noção do caminho de regresso.

 Cegonha, que morreu em 2015 aos 72 anos de idade, sofreu com a doença durante cinco anos, e ficou perdido pelas ruas de Bonsucesso, no Rio de Janeiro, por duas semanas. Altair perambulou desorientado em ruas de Brasília por dez horas, até ser localizado urinando num canteiro, e conduzido de volta ao hotel que acomodava jogadores campeões mundiais pela Seleção, para solenidade do dia seguinte no Estádio Mané Garrincha, que visava homenageá-los na abertura da Copa das Confederações de 2013.

 Em seguida, apagou da memória de Altair que fora excelente marcador, com conquistas de títulos. Já não podia contar que outrora treino-peneira 'castrava' talentos. Nos três minutos da 'peneirada' no Vasco sequer pegou na bola e acabou dispensado. Só os amigos passaram a relatar a relutância dos pais dele para que ingressasse no futebol, nas Laranjeiras, e reproduziram histórias espontâneas contadas pelo lateral, como confissão do baile que havia levado do ponteiro-direito Mané Garrincha do Botafogo, na final de 1957 do Campeonato Carioca. Até valores de renovação de contrato ele revelava.

 Antes de perder a memória, Altair se vangloriava de seu tempo de atleta, rico em desarme limpo, contrastando com o antijogo de hoje.

domingo, 4 de agosto de 2019

Adeus a Gildo, autor do gol relâmpago


 A cada década o Palmeiras monta pelo menos um elenco que o rotulam de academia. A primeira data de 1965, comandada pelo saudoso treinador Filpo Nuñez. Depois, com a conquista paulista do biênio 1973/74 do comandante Oswaldo Brandão. Nos anos 90, a cogestão com a Parmalat permitiu montagem de equipe milionária que 'papava' quase tudo. E agora o clube volta a se destacar com time competitivo.
 Da primeira academia apenas os meio-campistas Dudu e Ademir da Guia, goleiro Valdir Joaquim de Moraes e ponteiro-esquerdo Rinaldo estão vivos. Não há ‘sobreviventes’ no quarteto defensivo formado por Djalma Santos, Djalma Dias, Valdemar Carabina e Geraldo Scotto. Daquele ataque formado por Gildo, Servílio, Tupãzinho e Rinaldo, apenas o ponteiro-esquerdo pernambucano está vivo, e aos 77 anos de idade goza de aposentadoria em Carpina, interior pernambucano, e conta repetida vezes a transferência do Náutico ao Verdão em 1964.
 Também pernambucano, Gildo Cunha do Nascimento perdeu a disputa pela vida neste dois de agosto. Ele morava na cidade de São Paulo, estava com 79 anos de idade, ficou internado durante dez dias, e a causa da morte foi registrada como insuficiência pulmonar.
 No Palmeiras esteve vinculado durante oito anos, a partir de 1961, mas a princípio como reserva do lendário Julinho Botelho. Se é praxe elogios até exagerados sobre desempenho de atleta após a morte, é justo citar que Gildo apenas cumpria o básico cobrado de ponteiros à época, de usar velocidade para chegar ao fundo de campo, e aí cruzar a bola à área adversária. Foi assim que principalmente o ponta-de-lança Servílio pôde explorar a virtude no cabeceio, sempre citado como jogador que cabeceava com os olhos abertos, para bem distinguir a colocação do goleiro.
 Igualmente Gildo será citado como atleta recordista de gol relâmpago no time palmeirense, assim como em jogos no Estádio do Maracanã. Foi no dia três de março de 1965, quando fechou em diagonal após lançamento do lateral-direito Djalma Santos, aos nove segundos, na goleada sobre o Vasco por 4 a 1. Ademar Pantera e Tupãzinho duas vezes completaram o placar.
 Quando se desligou do Palmeiras, Gildo topou desafio arriscado, porém bem-sucedido. Transferiu-se ao Atlético Paranaense, mesmo sabendo da montagem de um time veteraníssimo com Djalma Santos, Belini e Nair.

Elói, craque que curte aposentadoria no Rio


 Boleiro do passado comumentemente despreza o futebol de rigorosa marcação ora praticado no Brasil, e testemunha que no seu tempo era tudo diferente. Um deles é o ex-meia de armação Elói, que embora franzino e 1,72m de altura, tinha privilegiada visão de jogo e habilidade para romper marcações. E quando curte a aposentadoria em praias de Niteroi (RJ), a careca brilha por causa do sol causticante, contrastando com a cabeleira loira e encaracolada das décadas de 70 e 80.

 Lá, com aqueles pouco mais de 60 quilos ainda mantidos, é frequentador assíduo de quiosques para saborear água de coco e se divertir com a tentação do futvôlei. Afinal, aqueles exercícios servem de preparação para jogos nos finais de semana em equipe de máster, com desempenho que não indica ter completado 64 anos de idade em fevereiro passado.

 Francisco Chagas Elói é um caipira confesso natural de Andradina, interior paulista, que da roça foi transformado em atleta profissional no clube da cidade por questão vocacional. Aí olheiros de plantão o levaram ao Juventus, e depois à Portuguesa em 1978, jogando com os zagueiros Daniel Gonzales e Beto Lima,  meia Wilson Carrasco e atacante Eléas. Por isso causou estranheza a volta ao interior na temporada seguinte, ao integrar a Inter de Limeira (SP), época que confessou a tara por treinamentos. “Pedia pro Camargo (ponteiro-direito) cruzar e eu batia de primeira na bola”. 

 Quando rotulado de talentoso na transferência ao Santos, concordou integralmente e acrescentou que treinador não ensina o craque a jogar. “Eu sabia exatamente aquilo que tinha que fazer em campo”. E por reconhecer as virtudes dele o Gênoa, da Itália, veio buscá-lo, jamais projetando dificuldades de adaptação, problema superado na passagem pelo Porto (POR), quando atuou ao lado dos atacantes Casagrande e Juari. Ainda naquele país integrou o elenco do Boa Vista.

 Na década de 80, Elói teve trajetória aplaudida por Vasco, Botafogo, Fluminense e América do Rio de Janeiro. E, ao se identificar com o Estado, lá se fixou, sem esquecer a infância de torcedor corintiano quando esperava até altas horas da noite vídeo teipes de jogos na TV preto e branco, mas nas tardes de domingo sintonizava a Rádio Bandeirantes para ouvir a narração do saudoso Fiori Gigliotti. “Era uma delícia ouvir ele falar abrem-se as cortinas e começa o espetáculo”. 


Só faltou Ricardinho vingar como treinador


 Que o ex-meia Ricardinho, do Corinthians e outros grandes clubes, foi jogador acima da média, não se questiona. Que como comentarista de futebol de televisão não fica a dever aos renomados do meio, é outra verdade. Ora, por que com esses atributos não vingou como treinador?

 Se alguém fez a pergunta a Ricardinho, de certo ouviu múltiplas respostas. Na prática apenas duas alternativas se encaixam à realidade: falta de sorte ou não ser vocacionado à gestor de pessoas. Quem tem visão de jogo para colocar a bola em espaços inimagináveis; quem aperfeiçou o jeito de bater nela de curta e média distância, e sobretudo quem tem histórico de gols pela frieza ao enfrentar goleiros, muito teria a transmitir aos comandados. Todavia ele não prosperou na função quando comandou Paraná Clube, Ceará, Avaí, Santa Cruz, Portuguesa, Tupi (MG) e Londrina.

 Comunicação? Nesse quesito Ricardinho também é excelente. Expressa-se com clareza e concisão. Tanto tem poder de síntese como sabe ser detalhista quando a situação requer. Nos comentários detecta rapidamente distribuições em campo das equipes, mostra caminhos alternativos, e localiza setores vulneráveis a serem explorados por quaisquer dos adversários.

 Logo, a percepção é que não associou essas virtudes a de gestor de grupo, para que o trabalho fritificasse. Pares de comissão técnicas e dirigentes estavam afinados à execução de metas? Encontrou o ponto de equilíbrio para 'domar' atletas indisciplinados e problemáticos?

 Assim, a história do futebol reserva espaço ao canhoto paulistano Ricardo Luís Pozzi Rodrigues, início de trajetória como atleta no Paraná em 1995, e auge naquele vitorioso Corinthians de 1998 a 2000, embora ele tenha continuado no clube por mais dois anos, com participação em 254 jogos e 63 gols.

 A transferência ao São Paulo apagou um pouco do brilho, recuperado com posterior transferência ao Santos, na conquista do Campeonato Brasileiro de 2004. E até 2011, quando encerrou a carreira de atleta no Bahia, foi um vaivém Brasil-Europa-Ásia, com passagens pela França, Inglaterra, Turquia e Catar. Nos retornos subsequentes jogou novamente no Corinthians em 2006, e esteve no Atlético Mineiro no biênio a partir de 2009.

 A recompensa de seu futebol talentoso foi ter integrado a Seleção Brasileira nas Copas do Mundo de 2002 e 2006, como reserva.

Que resgatemos um pouco do futebol do passado!


 Dezenove de julho é marcado como Dia Nacional do Futebol, que há muito tempo deixou de ser colírio para os olhos. Há quem justifique que outrora o bebê já cutucava a barriga da mãe cobrando pressa pra vir ao mundo. Queria crescer rapidinho para chutar bola e copiar dribles estonteantes de Pelé e companhia. Encantava-se com o drible elástico de Roberto Rivellino e enfeitados calcanhares do saudoso Sócrates, que parecia ter olhos na nuca. Brilhos de Ronaldinhos Gaúchos, Romários e zagueiros clássicos também eram aplaudidos, assim como primor em cobranças de faltas.

 Pois aqueles campinhos de terra batida perderam espaço para o concreto e rarearam os meninos malabaristas com a bola nos pés. Assim, a geração dos trinta e poucos anos de idade não saboreia 20% da delícia que foi o futebol do passado, e contenta-se com vitórias de seu clube predileto, independentemente da forma como foram construídas.

 Quase tudo mudou no futebol. Das traves roliças de madeira àquelas de ferro. Das camisas dos atletas colocadas dentro do calção, hoje soltas. Dos goleiros de camisas mangas compridas, cotoveleiras e joelheiras, ao uniforme comum dos companheiros. Calção? Na década de 70 era bem curtinho e apertado, de forma até a provocar incômodo pra correr, contrastando com os tais bermudões.

 Foi-se o tempo em que era permitido ao atleta abusar de meias arriadas, desprovido de caneleiras. De certo o Casagrande comentarista da Rede Globo está com canelas riscadas pelos beques bonitudos, porque nos tempos de centroavante as suas meias ficavam nos tornozelos.

 Livramos de árbitros safados que fabricavam resultados, mas ainda vemos o justiceiro VAR a passos de tartaruga. No lugar de 'treineiro' que cobrava precisão técnica, hoje prevalece observância tática. O saudoso e execrado Milton Buzzeto, treinador do Juventus dos anos 70, que inventou a retranca no Brasil, hoje seria saudado, visto que a maioria dos comandantes optou por copiá-lo.

 Também não se produz dirigente como antigamente. Se antes o amadorismo servia de alicerce pra que aprendesse a construção, hoje inadvertidamente começa na função pelo telhado, se escorrega e tomba. O torcedor trocou a saudável 'zoadinha' pela selvageria, com dentes afiados para bater e apanhar. Ora, por que não se resgatar pelo menos parcialmente a essência do futebol?

Adeus ao talentoso meia Mendonça


 No dia 23 de maio de 2017, publiquei texto com retrato fiel da trágica situação do então meia Mendonça, que havia se transformado em alcoólatra incorrigível, um contraste com aquele talentoso jogador com pontaria singular ao chutar na corrida contra o gol adversário.

 Não bastassem dribles estonteantes em quem entrasse feito louco na jogada para desarmá-lo, driblava também pisos irregulares quando arriscava finalizações. Pois esse Milton da Cunha Mendonça, 63 anos de idade, outrora idolatrado, com pés na calçada da fama do Estádio Maracanã, que esteve internado em hospital do Rio de Janeiro, tentava driblar malefícios provocados por bebidas alcoólicas, morreu por outro motivo: desdobramento de queda de escada de trem da Estação Guilherme da Silveira, no Rio.

 Do acidente Mendonça sofreu duas fraturas, ficou cerca de dois meses internado, até morrer. Quando hospitalizado nas vezes anteriores, por causa do alcoolismo, órgãos vitais do corpo humano, como fígado, baço e rim, já haviam sido afetados.

 Mendonça não teve a mesma sorte do goleiro João Marcos - ex-Noroeste, Guarani e Palmeiras -, que testemunha em livro como venceu a difícil batalha travada contra o vício do álcool. O histórico de Mendonça no futebol profissional começou no Botafogo. Lançado pelo ex-treinador Zagallo em 1975, firmou-se como ponta-de-lança na temporada seguinte, num time formado por Wendell; Miranda, Osmar Guarnelli, Nilson Andrade e Marinho Chagas; Carlos Roberto, Cremílson e Mendonça; Antonio Carlos, Manfrini e Mário Sérgio.

 Na época ele era cobrador oficial de faltas e seguia fielmente o conselho do pai Mendonça, lateral-direito do Bangu da temporada de 1951, para que evitasse fratura na perna como ocorrera com ele, em bola dividida com o meia Didi. “Só dividida bola quando tiver certeza que ela está mais para você”, ensinava. Em 1983, quando a Portuguesa se dava ao luxo de contratar jogadores de nível, foi reforçada com Mendonça, que lá ficou por duas temporadas, até que o Palmeiras foi buscá-lo, e ele participou daquele vice-campeonato do Paulistão de 1986, supreendido surpreendido pela Inter de Limeira.
 Depois Mendonça passou por Santos e Grêmio, já sem o rendimento de outrora. No final de carreira, sentiu o amargo gosto da estrada da volta no futebol no São Bento e Inter de Limeira. A despedida ocorreu no Bangu em 1990.