segunda-feira, 29 de novembro de 2010

Jacozinho, ‘bicão’ e folclórico

Conta a lenda que na passagem pelo CSA (Centro Sportivo Alagoano) o atacante Jacozinho dirigia-se ao clube num fusquinha velho, caindo os pedaços. Há quem jura que o fato é real e ainda acrescenta que, quando alguém fitava o veículo com desaprovação, o folclórico jogador debochava dele mesmo. “Esse coitado é a minha cara”.

O dinossauro do Fusca tinha apelido de ‘Maestro’. Por quê? A justificativa do zombeteiro Jacozinho era um conserto a cada esquina. É prudente que se esclareça a classificação de conserto entre os homônimos na significação das palavras: mesma pronúncia, mas sentidos diferentes. Maestro rege concerto musical, diferentemente de conserto para reparação de objetos danificados.

Se soa como arrogância quando alguém diz que chega a determinado clube para ser campeão, exclui-se Jacozinho desse contexto. Em 1998, ao chegar no ABC de Natal (RN), avisou que levantaria o caneco e que chegaria ao estádio no clássico com o América (RN) montado em um jumento. O objetivo de motivar o torcedor potiguar foi atingido, mas em campo foi anulado e seu time perdeu para o rival por 2 a 0.

Convenhamos que Jacozinho passou dos limites quando entrou de ‘bicão’ no jogo festivo que marcou o retorno do meia Zico ao futebol brasileiro em 1985, deixando o ídolo contrariado: “Infelizmente tem pessoas que querem aparecer mais que os homenageados”. O recado tinha endereço do sergipano Jacó Santos Vasconcelos, 1,65m de altura e de condição técnica até razoável. Jogava pelas extremidades do campo, sabia driblar e tinha relativa velocidade. Jacozinho naturalmente não se perturbou com o ‘pito’ do dono da festa, que havia retornado ao Flamengo após dois anos de futebol italiano, no Udinese. Gabava-se na descrição do gol que marcou naquele jogo, após entrar em campo quando faltavam vinte minutos para o final. “O Maradona me lançou, driblei o goleiro Cantarelli e fiz o gol”.

Jacozinho só conseguiu uma vaguinha entre os amigos de Zico por ingerência da TV Globo, após brincadeira do sarcástico repórter Mário Canuto, pedindo a inclusão dele na festa. O fato teve ressonância popular e ele se juntou a ídolos como Maradona, Edinho, Mario Kemps, Rumennigge e Falcão no time dos amigos de Zico, cuja volta à Gávea foi antecipada após problemas com o fisco italiano.

Passados 25 anos, a vida de Jacozinho mudou da água para o vinho. Se com farra e mulheres jogou no lixo o patrimônio construído na carreira, agora é um cidadão responsável, fixou residência em Vila Velha (ES), coordena escolinha de futebol para garotada, e converteu-se ao segmento ‘Atletas de Cristo’. Assim, as gozações do passado foram trocadas pela seriedade nos sermões sobre o evangelho. Seu sonho é se tornar pastor e levar mensagens divinas na China.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Bahia, da fogueira à glória

Esse E.C. Bahia que hoje ressurge das cinzas, com retorno à elite do futebol nacional, já se queimou na fogueira do Campeonato Brasileiro da Série C durante o biênio 2006-2007. Ele também já fez tremer a Praça Castro Alves, de Salvador, com o histórico título do Brasileirão em fevereiro de 1989, ainda correspondente à edição de 1988. Nessa trajetória, a comemoração do acesso à Série B em 2007 perdeu impacto com a tragédia no Estádio Fonte Nova, na partida contra o Vila Nova (GO). É que um lance da precária estrutura da arquibancada do estádio ruiu e o desabamento provocou morte de sete pessoas.

O ápice do E.C. Bahia foi em 1989 com o título inédito. Ao som estridente de trios elétricos, milhares de fanáticos torcedores improvisaram o Carnaval mais prolongado de Salvador. Na final daquela competição contra o Inter (RS), os valentes baianos arrancaram empate sem gols em Porto Alegre, e ganharam de virada, por 2 a 1, em Salvador.

O comandante daquele grupo foi o experiente treinador Evaristo Macedo, um dos craques das décadas 50/60 no Flamengo e Real Madrid da Espanha. O principal líder e jogador decisivo do time baiano em 1989 foi o meia Bobô, justamente quem mais festejou a conquista "É nossa, é nossa", gritava enquanto exibia e beijava a taça. E quando questionado sobre a grande virtude de seu time, destacou a humildade. Evidentemente também realçou o talento de alguns, velocidade de outros e aplicação de todos.

A unidade daquele predestinado time do Bahia dispensava os tradicionais trabalhos extra campo de macumbeiros. Paradoxalmente, foram torcedores do Inter, na partida no Estádio Beira Rio, em Porto Alegre, que fizeram despachos com galinha preta, garrafa de pinga, farofa e outros ingredientes indispensáveis para o "servicinho". Tudo isso bem à frente da porta do vestiário do time visitante.

Claro que o folclórico torcedor "Loirinha", do Bahia, jamais dispensaria outro "servicinho", para que seu time não corresse risco na decisão em casa. Contudo, nem precisava evocar qualquer ajuda do além. O time baiano "voava" em campo e dava canseira em qualquer adversário com os meias Bobô e Zé Carlos, atacante Charles e volante Paulo Rodrigues.

Como tudo era festa no Estádio da Fonte Nova. Até o então prefeito de Salvador Fernando José Guimarães Rocha, ex-narrador esportivo, não resistiu à tentação e voltou ao microfone. Narrou os 15 minutos finais do primeiro tempo da decisão para a Rádio Sociedade da Bahia.

Quem supõe que o Bahia montou aquele time por acaso se engana. O planejamento começou em 1986 com a chegada da equipe nas oitavas-de-finais do Brasileirão. Depois a base foi reforçada.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Coritiba, o time ioiô

A definição gramatical do substantivo masculino ioiô é “brinquedo constituído de um carretel a que se enrola um cordel e se dá um movimento de rotação. Na linguagem popular essa palavra significa brinquedinho do sobe e desce. Trocadilho a parte, nos últimos anos o Coritiba FC tem sido um ioiô. Caiu à Série B do Campeonato Brasileiro em 2005. Voltou à Série A dois anos depois. Nova queda e traumática em 2009 e ‘ressurreição neste 2010.
O coritibano é um torcedor fiel. Na Série B em 2007, a média de público foi de 17.377. Ano seguinte, na elite, aumentou para 19.254. E reduziu só para 16.817 em 2009, apesar da fraca campanha que culminou com o rebaixamento após aquele empate em 1 a 1 com o Fluminense. Enfurecido, o apaixonado partiu para a selvageria. Invadiu o gramado do Estádio Couto Pereira e o alvo era jogadores do time e arbitragem. Policiais militares, no cumprimento do dever, foram protegê-los e acabaram atingidos com pedaços de madeira e pedras, um deles até desmaiando.
Aqueles baderneiros foram responsáveis pela severa punição imposta pelo STJD (Superior Tribunal de Justiça Desportiva), com suspensão de 30 mandos de jogos do Campeonato Brasileiro e multa de R$ 610 mil. A pena foi abrandada após recurso, com redução da multa para R$ 100 mil e dez jogos fora, marcados para Joinville (SC), provocando prejuízo de R$ 12 milhões após perda de borderô, número de associados, placas publicitárias e gastos com viagens. Apesar disso, o time se manteve sempre entre os melhores e o sonho do acesso se concretizou com a volta dos jogos em casa a partir de 18 de setembro passado, quando 30.114 torcedores acompanharam a vitória sobre a Portuguesa por 2 a 0.
Renasce, portanto, o grande ‘Coxa’, que marcou história no futebol brasileiro com o título nacional de 1985, na disputa em casa com o Bangu (RJ). Se no tempo normal foi registrado um empate em 1 a 1, o time paranaense foi mais eficiente na definição através dos pênaltis, venceu por 6 a 5, e a partir daí ídolos como os atacantes Lela, Zé Roberto e o goleiro Rafael Cammarota integraram a galeria de outros inesquecíveis nomes como os dos meio-campistas Tostão nos anos 80 e Dirceu Krüger nas décadas de 60/70.
A rigor, em 1970, vítima de jogada violenta, ele quase morreu após ruptura das alças intestinais. Por sorte, voltou aos campos justamente num período dourado da equipe, que contou com o irreverente ponta-de-lança Zé Roberto, carrasco do Coritiba quando passou pelo rival Atlético-PR. Hoje, radicado em Serra Negra - estância mineral do interior paulista -, ele não mente quando esnoba para os garotos de sua escolinha de futebol que foi um invejável cabeceador. Integrou um dos melhores times do Coritiba na temporada de 1973.

Pode-se dizer que o goleiro Rafael, que chegou ao clube na década de 80, foi superior a Jairo. Rafa, na iminência de completar 57 anos de idade, não deu certo no Corinthians, onde desabrochou para o futebol, mas se identificou com o Coritiba nos sete anos em que lá esteve. Ele ainda é lembrado pelo arrojo, boa colocação e sobretudo pela regularidade.

O que falar do bauruense Reinaldo Felisbino, o Lela, que além de pai dos boleiros Richarlyson, do São Paulo, e Alecsandro, do Inter (RS), fez história no Coritiba, culminando com a faixa de campeão brasileiro em 1985? Ele jogou num time formado por Rafael; André, Gomes, Heraldo e Dida; Almir, Marildo e Tóbi; Lela, Índio e Edson. Lela é um baixinho de pernas curtas com histórico de atacante hábil, veloz e boa finalização.
Apesar da "ressaca" pela conquista do título brasileiro, os cartolas não se descuidaram de reforços. Foram buscar no futebol matogrossense o talentoso e goleador meia Tostão em 1986, cujo nome de batismo é Luís Antônio Fernandes, natural de Santos (SP).Tostão recebeu o apelido pelas características semelhantes ao consagrado Tostão, do Cruzeiro.

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Dorval, boleiro da noite

O folclórico ex-centroavante Dadá Maravilha estava cheio de razão quando eternizou a frase “uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa”. Se nos gramados, há 50 anos, o ponteiro-direito Dorval foi aplaudido pelo futebol ágil e veloz, convenhamos que agora fiscais de portaria da FPF (Federação Paulista de Futebol) não têm a obrigação de reconhecê-lo e distingui-lo dos demais torcedores, franqueando o acesso dele em estádios de futebol.
Em abril passado, quando o time do Santos decidiu o título do Campeonato Paulista contra o Santo André, a mídia alardeou que Dorval havia sido barrado por homens da FPF quando tentava entrar no Estádio do Pacaembu, e que foi preciso a intervenção do presidente do clube, Luís Álvaro de Oliveira. Chateado com a situação, Dorval lembrou que em outras ocasiões teve que pegar fila e comprar ingresso. “Dá pra acreditar? Não é pelo dinheiro do ingresso. Será que por tudo que os ex-jogadores fizeram pelos clubes não mereciam ter esse privilégio?”
Justo seria se a própria FPF e a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) expedissem credenciais a ex-atletas de futebol com relevantes serviços prestados em seus clubes, para que tenham livre acesso nos estádios. Evitaria constrangimentos.
Dorval Rodrigues, nascido em Porto Alegre (RS), foi mais um dos boleiros que fez história no futebol pela obstinação. Na adolescência foi engraxate antes de ser aprovado em testes no juvenil do Grêmio (RS). A profissionalização ocorreu no extinto clube gaúcho Esporte Clube Força e Luz, aos 17 anos de idade. Aos 19 anos desembarcou em Santos sabendo que de imediato não substituiria Alfredinho Sampaio. Assim, concordou com o empréstimo do passe ao Juventus, para se familiarizar com o futebol paulista.
Ainda em 1957 assumiu a camisa sete do Peixe. Posteriormente integrou o melhor quinteto ofensivo do futebol mundial de todos os tempos: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Eles tiveram participação decisiva na conquista do bicampeonato mundial interclubes do Santos, no biênio 62-63, época em que editores de jornais priorizavam publicações de fotos posadas de equipes a flagrantes de lances ilustrativos. E naquelas fotos, quando Dorval geralmente aparecia sentado na bola, as variações de jogadores se incidiam mais na lateral-direita com Olavo, Ismael e Lima. A defesa era completada com Mauro, Calvet e Dalmo. Zito era o volante, por vezes substituído pelo coringa Lima.
Naquele período o Santos jogava em intervalos até inferiores de 48 horas, para cumprir agendas de excursões no exterior. A rigor, o que Dorval mais sentia falta do Brasil naquelas viagens era a ‘trégua’ forçada da vida de boêmio. Como na época treinava-se apenas no turno vespertino, o sono perdido nas madrugadas era compensado durante as manhãs. E Dorval confessa que ainda hoje, aos 74 anos de idade, gosta de baile da saudade.
Em 1964, o passe do ponteiro foi negociado com o Racing da Argentina. Na despedida da Vila Belmiro, confessou a decepção por não ter disputado uma Copa do Mundo. “Em 1962, eu e o Garrincha éramos os melhores pontas do país, mas só ele foi convocado pelo técnico Aimoré Moreira”, lamentou, ficando o histórico de apenas 13 partidas pela Seleção Brasileira. Um ano antes, paradoxalmente, Dorval foi incumbido de marcar Mané Garrincha após expulsão do lateral-esquerdo Dalmo, do Santos, em partida contra o Botafogo (RJ). “Dei conta do recado”, gabou-se o jogador santista.
Com o calote parcial da dívida do Racing, o Santos recebeu Dorval de volta em 1965, e lá ele ficou por mais dois anos. Depois teve rápida passagem pelo Palmeiras e queimou os ‘últimos cartuchos’ no Atlético (PR) até 1971.
Dorval ainda precisa trabalhar para garantir o seu sustento. Sua atividade é orientar garotos de até 16 anos de idade no Clube Escola Temático de Futebol Ferradura, no bairro do Jabaquara, na capital paulista. E os fundamentos principais que ensina são chute e passe.