quarta-feira, 28 de outubro de 2020

Yustrich, o 'homão' que se impunha na marra

Meu leitor João Teixeira quer saber a história do saudoso treinador Yustrich, já contada aqui há quase quatro anos. Como a passagem dele pelo futebol foi polêmica, cabe sim recapitulação daquele que berrava à beira do gramado, que impunha seu estilo disciplinador na marra, com mais contundência de que o também falecido comandante Flávio Costa, que em 1950, vinculado ao Vasco, esbofeteou seu jogador Ipojucan, só porque ele havia pedido substituição em partida contra o América-RJ, pelo Campeonato Carioca.

Dorival Knipel, o Yustrich, teve rico histórico como goleiro do Flamengo nas décadas de 30 e 40, quando conquistou os títulos em 1939 e 1942, o que lhe abriu portas como treinador nos principais clubes do Rio de Janeiro.

Metido a valentão, Yustrich comprava brigas com jogadores, imprensa e até companheiros de profissão. Ganhou o apelido de ‘homão’ porque era alto e forte. Se inovou ao exigir mesa farta de frutas para boleiros após treinos e jogos, impunha contestável estilo militar no comando dos grupos e arrumava encrencas.

Em 1971, por exemplo, quando foi treinador do Flamengo, barrou o talentoso e saudoso atacante argentino Doval, porque não admitia jogadores de cabelos compridos. Yustrich desconsiderou habilidade, velocidade, boa impulsão e gols daquele ponteiro-direito, um gringo loiro, olhos azuis e que fazia sucesso com a mulherada nas boates da zona sul do Rio de Janeiro. Acreditem: Doval voltou ao futebol argentino por empréstimo e Yustrich - que também tinha ojeriza por barbudos - ficou na Gávea.

Dois anos antes, Yustrich só escapou da ira do igualmente saudoso técnico João Saldanha porque não estava na concentração do Flamengo, time que treinava. Saldanha comandava a Seleção Brasileira e, de temperamento explosivo, já estava irritado com frequentes críticas, entre elas de Yustrich, após derrota do selecionado por 2 a 0 durante amistoso por 2 a 0 contra o Atlético Mineiro. E não é que Saldanha, com revólver na cinta, invadiu a concentração do Flamengo, em São Conrado, para ajuste de contas!

Na década de 70, quando treinava o Cruzeiro, Yustrich substituiu o então zagueiro Brito durante uma partida, sem imaginar a reação de seu comandado, que se vingou ao se aproximar do banco de reservas e atirar a camisa suada no rosto dele e correr. Seria suicídio enfrentar aquele brutamente, mesmo envelhecido.

Gol voador de Pelé, no Brinco de Ouro, ficou fora dos arquivos

 Oitenta anos de Pelé, cravados no próximo dia 23, são contados de incontáveis maneiras, desde que se transformou no maior jogador de futebol do mundo. Do repertório de títulos e gols, um deles, emblemático, ficou fora dos arquivos, e só pode ser contado de boca em boca para quem não viu. À época não havia transmissão ao vivo pela televisão, e sabe-se lá que emissora teria feito gravação, pois o lance jamais foi repetido nos últimos 53 anos.

Ocorreu em três de dezembro de 1967, numa tarde de domingo, no empate de Santos e Guarani por 1 a 1, no Estádio Brinco de Ouro, em Campinas. Aos 14 minutos do primeiro tempo, Edu Jonas, ponteiro-esquerdo santista, fez cruzamento que mais parecia finalização de tão forte que bateu na bola. Aí, só um mágico como Pelé arriscaria mergulho ao encontro dela, chegando a tempo de empurrá-la com a cabeça para a rede, em lance registrado defronte à cabeceira sul do estádio, onde está instalado o placar eletrônico.

Até entre torcedores santista a comemoração foi tímida. Pelé havia sido nocauteado. Suspeitava-se que após o cabeceio tivesse se chocado no roliço poste esquerdo de madeira, o bastante para informações desencontradas, com suspeita até que teria morrido. Assim, ficou desacordado entre três a cinco minutos, até que se restabelecesse, quando fez questão de se encaminhar com a bola ao centro do gramado, alvo, então, de aplausos até de torcedores bugrinos.

Um gol com tal singularidade não se pode perdê-lo no tempo e espaço. Provavelmente não se tenha informação de repetição no mesmo formato, com vôo literalmente na paralela do gramado. Por isso não cabia ao saudoso volante Zito, do Santos, cobrar mesmo rendimento dele na sequência da partida, desconsiderando a dupla marcação que recebeu dos zagueiros bugrinos Paulo Davoli e Tarciso.

O empatou ocorreu aos 28 minutos do segundo tempo através do ex-meia Milton dos Santos, em chute de longa distância e falha do goleiro Gylmar. A mídia rotulou o lance como frangaço do santista, em jogo visto por 13.500 torcedores, calculados de acordo com o valor do ingresso.

De certo, nas dezenas de reportagens sobre os 80 anos de idade de Pelé, não estará incluso esse registro. Certamente vão lembrar do milésimo gol contra o goleiro Andrada do Vasco em 1969, os oito gols marcados na goleada por 11 a 0 sobre o Botafogo de Ribeirão Preto cinco anos antes, e na despedida do futebol no Brasil em 1974, contra a Ponte Preta.


segunda-feira, 12 de outubro de 2020

Diabetes, que matou Escurinho, continua sem cura

Quando da morte do atacante Escurinho, em 27 de setembro de 2011, aos 61 anos de idade, discutia-se se o diabetes que o aniquilou teria cura total a médio prazo. Nove anos se passaram, estudos realizados na Índia indicavam que a doença poderia ser combatida com moléculas encontradas na urina da vaca, mas por ora nada.

A perna direita de Escurinho, que lhe deu apoio extraordinário para magnífica impulsão nos cabeceios, havia sido amputada do joelho para baixo dois anos antes. Posteriormente foi a vez da perna esquerda igualmente cortada. Em ambos os casos a justificativa foi insuficiência renal e diabetes não controlados com tratamentos para regularizar o funcionamento vascular.

Hoje já não se admite apelido como o de Escurinho, registrado como Luiz Carlos Machado, até porque teria respaldo da lei contra o racismo em caso de denúncia. No caso dele, jamais censurou o apelido que ganhou aos sete anos de idade, em Porto Alegre, por ter sido negro. Seu negócio era jogar futebol, e a sua história começou a ser contada no Inter (RS) quando fez parte daquele elenco formado por jogadores altos e fortes na década de 70, comandados pelo técnico Rubens Francisco Minelli.

O time foi pentacampeão gaúcho de 1971 a 76 e bicampeão brasileiro em 75/76. Nele atuaram jogadores como o goleiro Manga, o zagueiro chileno Elias Figueiroa, lateral-esquerdo Vacarias, meio-campistas Batista, Caçapava, Falcão e Bráulio, e atacantes definidores como Valdomiro, Dario e Claudiomiro. Logo, não lhe sobrou lugar entre os titulares. Tinha a sina de entrar no segundo tempo e decidir jogos, invariavelmente com gols de cabeça.

Escurinho também jogou no Palmeiras e fez os costumeiros gols de cabeça no segundo tempo. E quando eles começaram a se rarear perdeu espaço no Verdão. Aí foi castigado com a tradicional estrada da volta no futebol, jogando no interior paulista na Inter de Limeira e Bragantino. A experiência no futebol equatoriano foi coroada com título, jogando no Barcelona de Guayaquil, em 1981. A carreira foi encerrada no Caxias do Rio Grande do Sul, em 1985.

Uma de suas últimas aparições na mídia foi em dezembro de 2009, ao compor o hino do centenário para o Internacional (RS), exibido em vídeo no site do jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Na letra, enfatizou que “ganhamos tudo”, quando alardeou seu amor ao clube colorado.

domingo, 4 de outubro de 2020

Morre Silva, o 'batuta' que regia a orquestra do Flamengo

 

A morte do centroavante Silva Batuta no último dia 30 de setembro remete à reflexão de como brotavam irmãos jogadores de futebol décadas passadas. Tão cabeceador quanto ele foi o seu mano Wanderley, que passou por Corinthians e Guarani, e morreu quando estava em campo atuando pelo Operário de Campo Grande (MS), em 1973.

Por que o apelido Batuta? Numa excursão do Flamengo à Argentina, com vitória sobre a seleção local, Silva foi considerado o maestro do time. Logo, em referência à vareta com que os regentes conduzem a orquestra, surgiu o apelido.

Paulista de Ribeirão Preto, 80 anos de idade, Walter Machado da Silva estava internado no hospital Pró-Cardíaco, na zona sul da capital fluminense, onde morreu, deixando o histórico de ídolo no Corinthians nos primeiros anos da década de 60, mas foi no Flamengo que o seu futebol ganhou repercussão nacional, ao conquistar título do Campeonato Carioca e ter histórico de 70 gols em 132 partidas em duas passagens, intermediadas por vínculo ao Santos, quando fez dupla de área com Pelé em 1967.

Silva Batuta foi atacante extremamente técnico, com capacidade de dribles, tabelinhas, cabeceador e sobretudo artilheiro. Essas virtudes o credenciaram a integrar o selecionado brasileiro na Copa do Mundo da Inglaterra em 1966, e despertar interesse do Barcelona da Espanha, que o contratou, mas ele ficou pouco tempo por lá em decorrência da dificuldade de adaptação e reclamação de preconceito racial.

Apesar disso admitiu passagem pelo Racing da Argentina e se destacou como um dos principais artilheiros daquele campeonato nacional. Ele ainda jogou no Botafogo (RJ) e Vasco. Em 1970 ajudou o clube a encerrar tabu de 12 anos sem título estadual e integrou o elenco campeão brasileiro de 1974. Todavia, no ano anterior participou do Campeonato Brasileiro pelo Rio Negro (AM). Últimos clubes foram Barranquila Junior da Colômbia e Tiqueres Flores da Venezuela.

Quando do término da carreira de atleta, continuou ligado ao Flamengo em diferentes funções, a última delas no setor de eventos do clube, apesar de diplomado pela faculdade de Direito no Rio de Janeiro. E embora torcesse pelo sucesso do filho Wallace no futebol, o também atacante não decolou, após passagens por Bangu (RJ), América de Rio Preto (SP), Nacional (AM), Rio Branco (ES) e Anapolina (GO).