segunda-feira, 31 de agosto de 2009

Forlán botinudo

Os uruguaios Forlán se notabilizaram no futebol em trincheiras diferentes. Enquanto o filho Diego Martín Forlán Coraza crava seu nome no Campeonato Espanhol como artilheiro da temporada passada, o pai foi um mau exemplo de disciplina abusando da violência nos tempos de Peñarol e São Paulo.
Felizmente Diego Forlán herdou do pai apenas o bom caráter e foi aprender a jogar futebol do seu jeito, que é infernizar zagueiros adversários e fazer gols. Como recompensa ganhou a chuteira de ouro na Espanha e o título de melhor esportista uruguaio do ano. Aos 30 anos de idade, 1,79m de altura, é jogador do Atlético de Madrid e registra passagem pela seleção uruguaia na Copa do Mundo de 2002.
Quanto ao pai, Pablo Justo Forlán Lamarque, 64 anos, batia até na sombra, como se dizia no passado, e se orgulhava disso. “O melhor momento de se amedrontar os adversários são os primeiros cinco minutos de jogo, quando o juiz nunca expulsa”.
De fato nos anos 70 até meados da década de 80 havia complacência dos árbitros em relação a jogadas violentas em inícios de partidas. A aplicação do cartão amarelo era sempre precedida de advertência verbal. Enquanto isso Forlán abusava. Intimidava antigos ponteiros-esquerdos com boa “sapatada”, e muitos deles “corriam do pau”. Acovardados, voltavam ao meio de campo para armar jogadas. E quando iam à frente fechavam em diagonal na vã tentativa de se distanciar de Forlán, que na maioria das vezes os acompanhavam por dentro.
Claro que o futebol do lateral Forlán não se restringia à pancadaria. Era, de fato, bom marcador. Tinha vitalidade física invejável e cobrava o mesmo espírito guerreiro dos companheiros. Foi assim de 1963 a 1970 no Peñarol e nos seis anos subseqüentes no São Paulo, trazido pelo empresário Juan Figger. Naquele período conquistou títulos e a simpatia dos torcedores.
A maior glória do futebol foi em 1966, no Peñarol, quando conquistou a Libertadores da América com a vitória por 4 a 2 sobre o River Plate da Argentina, na terceira partida decisiva; e Copa Intercontinental, na vitória por 2 a 0 sobre o Real Madrid, em Montevidéu (URU), após derrota pelo mesmo placar na Espanha. Naquele time, jogou ao lado do também uruguaio Pedro Rocha e do equatoriano Alberto Spencer, falecido em 2006 aos 67 anos de idade. Spencer foi o melhor jogador equatoriano de todos os tempos.
Depois do São Paulo, Forlán ainda jogou no Cruzeiro antes de retornar ao Uruguai, com passagens por Nacional de Montevidéu e Defensor Sporting , onde encerrou a carreira em 1984. Tentou permaneceu no meio como treinador das categorias de base, mas terminou como olheiro no futebol uruguaio, e de vez em quando dá palpites errados. Ao citar que gostaria de ver o filho Diego jogando no Barcelona, levou uma invertida do presidente do Atlético de Madrid, Enrique Cerezo: “Quem é que joga: pai ou filho?”, questionou.

quarta-feira, 26 de agosto de 2009

Adeus a Pinheirense

Nos anos 60 a Ferroviária de Araraquara (SP) ficou conhecida como produtora de jogadores qualificados, e o São Paulo se apressava em buscá-los para reabastecer seu elenco. Foi assim com a dupla de ataque Maritaca e Téia e os ponteiros-direitos Peixinho e Faustino, para não se alongar nos exemplos. Nos anos 80 essa mesma “Ferrinha” foi propagada nacionalmente porque contava com um dos jogadores mais violentos do futebol brasileiro: Antenor José Cardoso ou simplesmente Pinheirense, que morreu no dia 21 de agosto em Recife (PE).
Pinheirense completaria 54 anos de idade em novembro, era natural do Maranhão, e sua aparição deu-se no Náutico no final dos anos 70. A fama de homem mau se consolidou na Ferroviária, nos anos 80, quando impiedosamente “abria a caixa de ferramenta”, diziam antigos locutores esportivos. Na maioria das vezes acertava meio gomo da bola e metade do pé do adversário. Logo, foi recordista de expulsões e, apesar disso, ainda arrumou emprego em clubes do interior de São Paulo, Londrina (PR) e Coritiba.
Quis o destino que Pinheirense vivesse os últimos dez anos em uma cadeira de roda. Ficou paraplégico ao ser alvejado com um tiro pelas costas, disparado pelo marido de uma ex-namorada, na capital paulista.
Alguns treinadores do passado foram responsabilizados por violência de seus jogadores. Mandavam “matar” jogadas no nascedouro e pernas de adversários eram atingidas. Houve um período em que se dizia “bola ou bolim”, referência que passava a bola, mas não passava o adversário. Na época, descreviam jogador violento como aquele que “batia da medalhinha pra cima”.
O falecido zagueiro Moisés - que jogou no Bangu e Corinthians - tinha fama de xerife, mas raramente era expulso. Ele lembrava que jogava duro, mas sem deslealdade. “Quase ganho o Belfort Duarte”, brincou certa ocasião, numa referência ao prêmio instituído pelo Conselho Nacional de Desportos em 1945, e entregue ao atleta que passava dez anos sem ser expulso de campo.
Márcio Rossini - ex-Marília (SP), Santos, Bangu e Flamengo - jogava duro e muitas vezes recebeu o cartão vermelho. Foi o típico zagueiro temido por atacantes adversários, embora não se valesse só da compleição física para se impor. Era bom marcador, tanto que jogou em grandes clubes e foi campeão paulista no Santos em 1984, quando formava dupla de zaga com Toninho Carlos.
Na época, parte dos zagueiros extrapolava em jogadas mais duras quando seus times eram mandantes de jogos. Pressionada, a “juizada” pipocava no momento da expulsão, porque não tinha segurança nos estádios e temia por agressões.
Agora, quem abusa do antijogo na maioria das vezes recebe o cartão vermelho até mesmo no primeiro tempo. E o ex-árbitro Almir Ricci Peixoto Laguna ficou marcado num derbi campineiro - Ponte e Guarani - há 26 anos, pela coragem ao expulsar o lateral-direito pontepretano Édson Abobrão com menos de um minuto de jogo, após entrada violenta sobre o meia Neto.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

‘Deu zebra', invenção de Gentil

O pernambucano Gentil Alves Cardoso jamais poderia prever que a junção verbo e substantivo “deu zebra”, que criou para caracterizar resultado inesperado de um jogo de futebol, transcendesse seu meio. A expressão é usada invariavelmente em todos os segmentos.
O espirituoso Gentil Cardoso inventou “deu zebra” quando clubes de futebol pequenos do Rio de Janeiro ganhavam dos grandes na década de 40. Por que zebra? Oras, porque ela não faz parte do jogo de bicho. É uma estranha na jogada.
Saudosistas dividem opiniões sobre a competência de Gentil como treinador. O que não se questiona é que foi um dos maiores, senão o maior, frasistas do futebol brasileiro. Ainda ecoa a sacada para que boleiros trabalhem a bola no chão: “A bola é de couro, o couro vem da vaca, e a vaca gosta de grama; então, jogue rasteiro meu filho”. Ou a frase imortalizada alertando que “quem se desloca recebe, quem pede tem preferência”. Essas frases e a palavra cobra, para qualificar o jogador clássico, foram invenções dele.
Gentil morreu há 37 anos. Ao entrar no Hospital Central da Aeronáutica, no Rio, bem humorado, recomendou: “Doutor, estou entrando na vertical. Vê se não saio na horizontal, porque técnico de futebol não pode trabalhar nessa posição, não fica bem”. E saiu de lá para o cemitério, deixando uma biografia de migrante negro vitorioso. Antes da bola foi engraxate, garçom e motorneiro. Nunca foi jogador, e mesmo com o indisfarçável racismo da época ingressou na função de treinador do Bonsucesso em 1931. A partir daí, com o inseparável boné xadrez, ficou marcado como personagem folclórico, e copiado pela “treinadorzada”. Quando apitava treino, dizia abertamente que reservas não ganhavam dos titulares. Se o caldo engrossava, arrumava um pênalti “mandrake” e acomodava a situação. E a justificativa estava na ponta de língua: “Bola na bunda de time pequeno é pênalti”.
Em 1939, conciliando a função de tenente da Marinha à de treinador, comandou o Rio-grandense (RS). Seu reino encantado, no entanto, era o Rio de Janeiro, e intercalou passagens pelos grandes clubes daquele Estado. Em 1946, contratado pelo Fluminense, deu um recado aos cartolas logo na chegada: “Se vocês me derem o Ademir (de Menezes), eu lhes darei o campeonato”. Dito e feito. O ex-vascaíno marcou o gol do título contra o Botafogo.
Nos anos 50, treinando o Botafogo, lançou o ponteiro-direito Mané Garrincha. Na época fazia uso de megafone para se comunicar com os jogadores durante os treinos. Em seguida voltou a Recife, em troca de bons contratos, para comandar Sport, Santa Cruz e Náutico. E nos três clubes levantou o caneco. No futebol paulista treinou Ponte Preta e Corinthians. Passou ainda por Nacional do Equador e Sporting de Portugal.
De volta ao Vasco, nos anos 60, estimulava a boleirada a cantar músicas de Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

segunda-feira, 10 de agosto de 2009

Natal, boemia e futebol

Ah se a noite de Belo Horizonte falasse! De certo contaria histórias mirabolantes do ex-boêmio Natal de Carvalho Baroni, que em novembro vai completar 63 anos de idade. Ele foi um hábil e veloz ponteiro-direito do Cruzeiro na década de 60, período em que também fazia sucesso com a mulherada em automóveis conversíveis.
Se desde aquela época até boleiros com indescritível feiúra viviam rodeados de mulheres, imaginem alguém que exibia a cabeleira esvoaçada e metido a galã como Natal, que adorava o assédio de “Marias Chuteira”.
Felizmente Natal jogou numa época em que a maioria dos clubes programava treinos apenas no período da tarde. Assim, era possível recompor o sono perdido à noite no período da manhã. À tarde, dava piques e levava a bola ao fundo do campo com extrema facilidade. Também sabia fechar por dentro em jogadas no lado oposto, e por isso fazia gols, o principal deles na vitória de virada do Cruzeiro sobre o Santos por 3 a 2, no Estádio do Pacaembu, na finalíssima da Copa Brasil (hoje Copa do Brasil). Naquele dia 7 de dezembro de 1966, o time mineiro perdia por 2 a 0, reagiu, e ganhou por 3 a 2, gols de Tostão, Dirceu Lopes e Natal aos 44 minutos do 2º tempo. Pelé e Coutinho marcaram para o Peixe e o público foi de 45 mil pagantes.
Uma semana antes, no Estádio do Mineirão, o Cruzeiro goleou por 6 a 2, com três gols de Dirceu Lopes, Natal, Zé Carlos e Tostão. Toninho Guerreiro (já falecido) marcou os gols do Santos. O árbitro dos dois jogos foi Armando Marques.
O time titular Cruzeiro tinha Raul Plasmman; Pedro Paulo, William, Procópio e Neco; Wilson Piazza, Dirceu Lopes e Tostão; Natal, Evaldo e Hilton Oliveira. O futebol era comandado pelo dirigente Felício Brandi, ligado ao clube de 1961 a 1982, e morreu no dia 24 de fevereiro de 2004 quando passava o carnaval em sua fazenda, em Campinas (SP).
Aquela foi a 8ª edição da Copa Brasil, organizada pela antiga CBD (Confederação Brasileira de Desporto). O Santos havia conquistado as últimas cinco competições, e a copa se prolongou por mais dois anos. Em 1967 o título foi conquistado pelo Palmeiras. O Botafogo levantou o caneco na temporada seguinte.
Natal, 1,66m de altura, nascido em Belo Horizonte, foi levado ao Cruzeiro com 13 anos de idade. Estreou na equipe principal em 1965 e permaneceu na Toca da Raposa até 1971. Lá ganhou o apelido de “Diabo Loiro” e foi decisivo em jogos contra o Atlético (MG).
Em 1971 foi jogar no Corinthians e a partir daí começou o repasse de clubes, com volta ao Cruzeiro em 1972, ano em que também jogou no Bahia. Depois passou por Vitória (BA) e clubes mineiros como América, Valeriodoce e Vila Nova. Jogou ainda no Londrina e Deportivo da Colômbia.

segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Zequinha, um bicampeão

É gratificante para o personagem focalizado semanalmente neste espaço receber homenagem em vida e a coluna tem priorizado isso, tanto que em abril de 2008 contou a história do volante Zequinha, do Palmeiras. Com a morte dele dia 26 de julho, evidentemente o texto será reproduzido.
Nas décadas de 50 e 60, treinadores de Seleção Brasileira tinham que pautar pelo equilíbrio entre Rio de São Paulo nas convocações de jogadores. Veículos de comunicação de ambos os Estados pecavam pelo bairrismo e por isso via-se, com freqüência, chamados inesperados de jogadores para integrar o selecionado.

O ex-técnico Carlinhos - jogador do Flamengo nãos anos 60 - não esconde a mágoa de ter sido relegado para a Copa do Mundo de 1962, no Chile, quando o Brasil conquistou o bicampeonato. Definição política ou não, o certo é que Zequinha, então volante do Palmeiras, também tinha credenciais para estar entre os 22 relacionados, como reserva de Zito, ex-Santos, e comemorou o bicampeonato mundial.

A rigor, segundo o livro "Seleção Brasileira - 90 anos", de Roberto Assaf e Antonio Napoleão, Zequinha participou de 17 partidas pelo selecionado brasileiro, com retrospecto de 14 vitórias, um empate, duas derrotas e marcou dois gols.

Naqueles tempos seria exagero cobrar dos volantes postura de marcadores implacáveis. Quando muito cercavam meio-campistas adversários e deslocavam para os lados do campo para cobrir laterais. E, com a bola, eram bons distribuidores de jogadas, principalmente acionando os laterais.

Essa era, basicamente, a função do pernambucano José Ferreira Franco, do Palmeiras, apelidado por Zequinha devido ao tamanho - 1,66m de altura. No entanto, ele se diferenciava da maioria na posição pela excelente preparação física. Como corria demais, atrevia-se, com freqüência, às “descidas” ao ataque e finalizava ao gol adversário de média distância, com chute forte.

Zequinha, nascido em 18 de novembro de 1934, em Recife (PE), começou a carreira no extinto Auto-Esporte de Recife, na década de 50, depois passou pelo Santa Cruz (PE) e jogou no Palmeiras entre 1958 e 1968, com histórico de 417 jogos: 247 vitórias, 83 empates e 87 derrotas. Foram 40 gols e o orgulho de colecionar títulos do Torneio Roberto Gomes Pedrosa (Robertão), Taça Brasil, Torneio Rio-São Paulo e Campeonato Paulista de 1959, 1963 e 1966, segundo informações citadas no "Almanaque do Palmeiras".
Sem dúvida que o título paulista de 1959 foi especial. Na ocasião, atuou num time formado por Valdir de Moraes; Djalma Santos, Valdemar Carabina, Aldemar e Geraldo Scotto; Zequinha e Chinesinho; Julinho, Nardo, Américo e Romeiro.
Já nos anos 60, com a chegada de Dudu, ex-Ferroviária de Araraquara (SP) ao Parque Antártica, o pernambucano foi para a reserva e, ao sair do Palmeiras, ainda jogou respectivamente no Atlético (PR) e Náutico.
Ao pendurar as chuteiras, fixou-se em Recife, garantiu a aposentadoria, e ainda melhorou a renda ao adquirir uma casa lotérica em Olinda (PE), administrada por pessoas de confiança, pois seqüelas de um derrame haviam limitado suas atividades.