terça-feira, 29 de março de 2011

Danrlei, campeão de votos


Em 2007, dois anos antes do encerramento da carreira no futebol, o goleiro Danrlei, na época vinculado ao modesto E.C. São José de Porto Alegre (RS), se identificou como pessoa autêntica: “Se não gosto da pessoa, não consigo falar com ela; se eu gosto, morro por ela. Não consigo ficar sorrindo para quem não gosto”.

Danrlei de Deus Heinterholz ficou marcado como ídolo do Grêmio portoalegrense porque se superava em grenais e falava exatamente aquilo que pensava, independentemente de agradar as pessoas. Resta saber se agora que trocou o uniforme de atleta pelo terno e gravata dos políticos vai manter a postura. Dos ex-jogadores postulantes a cadeira na Câmara Federal na última eleição, Danrlei foi o mais bem votado com 173.787 votos dos eleitores gaúchos, número que também o colocou na quarta colocação entre candidatos a cargos legislativos do Estado do Rio Grande do Sul.

Danrlei se abrigou na sigla do PTB (Partido Trabalhista Brasileiro), criada sob inspiração do então presidente da República Getúlio Vargas em 1945, na época de forte tradição trabalhista, e hoje nem tanto. Independente de filosofia partidária, um dos desafios do ex-goleiro é desmistificar o pensamento do escritor luso Eça de Queiroz, ainda no século XIX: “Políticos e as fraudas são semelhantes. Possuem o mesmo conteúdo”. Ou provar que o pessimismo do escritor britânico Plilip Chesterfield no século XVIII não se aplica aos dias de hoje: “Os políticos não conhecem nem ódio, nem amor. São conduzidos por interesse e não por sentimento”.

O tempo dirá qual será o comportamento de Danrlei. O indesmentível é que ele foi goleiro a nível de Seleção Brasileira nos primeiros dez anos de carreira. Passou pelo Grêmio entre 1993 a 2003, quando conquistou a Libertadores da América, Copa do Brasil, Recopa sul-americana e Campeonato Gaúcho.

Em 2004, aos 31 anos de idade, sem a típica regularidade, iniciou o processo de repasse de clubes: Fluminense, Beira-Mar de Portugal, São José (RS) e Brasil de Pelotas, clube onde guarda a mais triste recordação no futebol. O ônibus que conduzia a delegação do clube no anel de acesso à BR-392 caiu num barranco e três ocupantes morreram: Giovani Guimarães, preparador de goleiros; Régis Gouveia, zagueiro; e o atacante uruguaio Claudio Millar.

Foi jogando também pelo Brasil que se envolveu em confusão generalizada no jogo contra o Ulbra. Conseqüência: suspensão de 120 dias. E foi em Pelotas seus últimos passos como jogador de futebol. Depois veio a despedida oficial em Porto Alegre no dia 12 de dezembro de 2009, com registro de 30 mil pessoas no Estádio Olímpico.

O ex-goleiro completa 38 anos de idade neste 18 de abril e a sua trajetória é contada em detalhes no livro ‘Danrlei, uma Lenda Gremista’, escrito pelo jornalista Eliziário Goulart Rocha.

terça-feira, 22 de março de 2011

Hidalgo, do gramado ao rádio

Quando ex-jogadores de futebol começaram a ocupar o mercado de trabalho de radialistas e jornalistas que comentam futebol nas mídias eletrônicas houve denúncia a sindicatos das categorias de invasão de espaço, mas legalmente não havia mecanismo de proibição de quem conseguiu registro emitido pela DRT (Delegacia Regional do Trabalho) para desempenhar a função. Se ex-boleiros nem sempre conseguem articular bem as idéias, compensam com conteúdo. Ao vivenciarem múltiplas situações opinam, na maioria das vezes, fugindo do óbvio.

José Hidalgo Neto, um dos primeiros ex-boleiros a empunhar microfone no rádio brasileiro, reúne o útil ao agradável na crônica esportiva paranaense. Concilia a dádiva da oratória a correta leitura do jogo. Afinal, esteve no gramado e aprendeu nos 15 anos de carreira como jogador as conceituações técnicas, táticas e de bastidores do futebol.

Hidaldo foi médio-volante nos tempos em que exigia-se eficiência no desarme e bom passe para desempenhar a função. Ele fez isso nos cinco anos de C.A. Juventus a partir de 1960, repetiu quando integrou o XV de Piracicaba no acesso à divisão de elite do futebol paulista em 1967, e principalmente de 1970 a 1975 na passagem pelo Coritiba, coroada com o pentacampeonato paranaense.

A boa estatura permitiu que se juntasse aos zagueiros de seu time quando o adversário atacava e alçava bola, visando devolvê-la de cabeça. Não era rápido e raramente arriscava arremates ao gol, o que justifica o histórico de 13 gols na carreira. A compensação era a liderança em campo com a braçadeira de capitão.

Hidalgo era companheirão e irônico. As vezes fingia dominar o idioma francês e enrolava a língua para falar. No entanto seus companheiros só flagraram a lorota quando o Coritiba excursionou à França em 1972. Paradoxalmente um transeunte, ávido por informação, resolveu indagá-lo e aí a ‘casa caiu’.

Essa e dezenas de outras histórias durante trabalho em oito Copas serão contadas no Blog Capitão Hidaldo, em artigos renovados no link ‘Conversa de Arquibancada’, e em rodas de amigos radialistas, profissão que ‘abraçou’ na Rádio Cultura de Coritiba em 1975. Além disso, é um vendedor de publicidade de mão cheia.

O ápice de Hidalgo no rádio foi nos anos 80 na ‘Clube Paranaense’, quando fez dobradinha com o vibrante narrador Lombardi Júnior, já falecido. Também trabalhou nas emissoras Tupi e Record de São Paulo, em 1989 e 1998 respectivamente.

Agora, só vai a São Paulo a trabalho ou para visitar parentes. Ano passado voltou a Piracicaba e saboreou um pintado na brasa na Rua do Porto, ponto da melhor culinária da cidade. Também lembrou da generosidade do comendador Humberto D’Abronzzo, presidente do XV na sua época, porque injetava dinheiro da empresa de caninha Tatuzinho – de propriedade dele – no clube.



segunda-feira, 14 de março de 2011

Rípoli e Eurico: cartolas briguentos

Décadas passadas, no auge de uma comemoração vascaína após vitória sobre o Flamengo, o irreverente ex-presidente cruzmaltino Eurico Miranda destilou todo veneno contra o rival: “Não sei se tenho maior prazer numa relação sexual ou se quando ganhamos do Flamengo”.

Tão ou mais intrigante que o cartola carioca foi o engenheiro agrônomo Romeu Ítalo Rípoli, presidente do XV de Piracicaba (SP) nas décadas de 70 e 80. No acervo de publicações do jornalista piracicabano Cecílio Elias Neto consta que o dirigente extrapolou na Suécia, numa excursão do clube pela Europa e Ásia em 1964. Segundo relato, para impressionar suecos na língua deles, o cartola teria passado uma noite em claro estudando pronúncias das palavras do discurso que preparava, orientado por uma tradutora.

Rípoli adorava aparecer na mídia. Na ausência de fatos relevantes, criava-os. Em 1974, quando o Fluminense abriu negociações para tirar o meia Rivelino do Corinthians, ele convocou a mídia para ‘anunciar’ a pretensão de atravessar o negócio. Na década de 60, esperto, ‘driblou’ o dirigente flamenguista Gunnar Goransson ao empurrar para a Gávea o zagueiro Ditinho, irmão do brutamonte Ditão do Corinthians. Rípoli combinou com o então presidente santista Modesto Roma uma simulação de interesse do jogador para atuar no Peixe e o Flamengo ‘mordeu’ a isca supondo contratar o melhor dos zagueiros da mesma família.

Nos anos 70 Rípoli adotou política de baixos salários e ‘bichos’ altíssimos ao elenco. Assim, mesmo com um time modesto chegou ao vice-campeonato paulista em 1976. O campeão foi o Palmeiras que o derrotou por 1 a 0, gol de Jorge Mendonça.

Rípoli e Eurico tinham em comum prepotência, brigas desnecessárias, fascinação pelo cenário político e o reprovável hábito de enfumaçar ambientes com baforadas. Eurico sempre exibiu charutos, enquanto Rípoli pitava cigarro de palha.

O então deputado federal Eurico ousou bateu de frente até com a Rede Globo de Televisão, ao exibir o logotipo do concorrente SBT nas camisas dos jogadores do Vasco durante transmissão da ‘poderosa’ na final da Copa João Havelange de 2000 contra o São Caetano. Ele também foi criticado em 1997 após jogo do Vasco no Estádio do Maracanã. Ao transportar R$ 62 mil da receita de seu clube para a sua casa, foi interceptado por ladrões que levaram o dinheiro. Ainda foi alvo de processo de cassação de mandato em CPI da Câmara, que culminou com o arquivamento.

Quanto a Rípoli, foi denunciado por sonegação de Imposto de Renda, o que implicou em renúncia da presidência do XV. Posteriormente, ao apresentar defesa, comprovou inocência e foi isentado da acusação. Ele morreu em 1983 aos 66 anos de idade.





domingo, 6 de março de 2011

Futebol também é delas

Quando Erasmo Carlos e a sua mulher Narina compuseram letra e arranjo da música ‘Sexo Frágil’ para retratar a mulher em 1981, a intenção foi contestar a apregoada submissão feminina: “Dizem que a mulher é o sexo frágil, mas que mentira absurda...”

Naquela época a mulher já invadia espaços masculinos, quebrava tabus e provava que a rebeldia de centenas de operárias norte-americanas em 8 de março de 1857 não havia sido em vão. A greve daquelas tecelãs de Nova York reivindicando redução da carga de 16 horas de trabalho por dia foi reprimida com violência. Incendiaram a fábrica e 130 empregadas foram carbonizadas. Claro que a ‘mulherada’ ficou indignada, e posteriormente foi criado o Dia Internacional da Mulher.

E a quantas anda a mulher que chuta bola no país? Em termos de seleção brasileira um bom time. A melhor jogadora do mundo também é daqui, eleita cinco vezes consecutivas. É a meia-atacante Marta que brinda torcedores do Gold Pride de San Francisco, nos Estados Unidos, com o seu talento.

Entre as norte-americanas, cerca de 4,2 milhões estudantes chutam bola, a maioria do ensino fundamental. As universitárias são estimuladas com bolsas de ajuda, cujo teto é de US$ 35 mil por ano. Lá os estádios recebem público significativo naqueles jogos, contrastando com o desinteresse por aqui. São poucas as federações que apóiam a modalidade.

A geração de Marta também serve de espelho para o futebol feminino no Brasil. Nas aulas de educação física do ensino fundamental professores reservam quadras de futsal e bolas para as meninas abusarem do chute de bico. Pena que os educadores não têm aptidão para correção de defeitos primários nos fundamentos de chute, passe, cabeceio e colocação de suas alunas. A rigor, o treinador Zé Duarte, já falecido, teve paciência para ensinar o be-a-bá às garotas da seleção brasileira, ao assumir o desafio em 1995.

Duarte foi o divisor de águas da modalidade. Em 1983, após o Conselho Nacional do Desporto ter revogado a proibição da prática, foi realizado o primeiro campeonato carioca da categoria, que terminou em agressões. O Radar do Rio de Janeiro goleava o Goiás por 5 a 0 quando duas adversárias trocaram tapas e só a goiana Andréia foi expulsa. Aí, o árbitro Jorge José Emiliano, o Margarida, foi encurralado e agredido tanto pela zagueira alviverde Gilda como o massagista do time dela. O troco foi sintomático. O juiz desferiu um soco no rosto de Andréia, e anos depois também socou a jogadora Elaine do Saad de São Caetano do Sul (SP), perdendo espaço na arbitragem. Como homossexual assumido, contraiu o vírus HIV, foi castigado pela Aids, e morreu em 1995 aos 41 anos de idade.

O futebol feminino, que enfrentou a cultura machista com bordões do tipo ‘futebol é pra homem’ e ‘mulher no futebol é sapatão’, felizmente está num outro estágio.

quarta-feira, 2 de março de 2011

Yashin, goleiro do século

Vladimir Lênin, líder comunista e um dos principais responsáveis pela Revolução Russa de 1917, deve estar se remoendo no túmulo com negociações pra lá de capitalistas do futebol da Rússia com jogadores brasileiros. Se hoje especula-se contrato de R$ 15 milhões-ano para o lateral-esquerdo Roberto Carlos – ex-Corinthians – com o Anzhi Makhachkala, faz-se necessário recapitular que até os anos 70 prevalecia o amadorismo no futebol daquele país. Quem tinha vocação para jogar futebol teria de conciliá-lo a outra atividade profissional, preferencialmente de prestação de serviço em empresas estatais, que na época mandavam no esporte daquele país. Assim, até 1991, todos estavam em consonância com o regime socialista, que direciona distribuição equilibrada de riqueza e propriedade.

Jogador russo de destaque geralmente se transferia para clubes do lado ocidental da Europa, e se enquadrava às regras do capitalismo. Foi um período de guerra fria entre Rússia e Estados Unidos, pós 2ª Guerra Mundial, quando os soviéticos contavam com Lev Yashin, reconhecido pela Fifa como o melhor goleiro do século passado, o único da posição a conquistar o prêmio ‘Bola de Ouro’ criado pela revista France Football em 1963.

Evidente que aquela indicação jamais poderia ser contestada. Afinal, que outro goleiro recheou a sua biografia com defesas de 150 pênaltis, um deles no Mundial de 1958 na Suécia, na vitória dos soviéticos sobre a Áustria por 2 a 0? Igualmente há relatos não oficiais que ele tenha ficado mais de 100 jogos sem sofrer um gol sequer dos 812 disputados em 22 anos de carreira, vinculado apenas ao Dínamo de Moscou e seleção soviética.

Ainda bem que Yashin descobriu que a modalidade esportiva hóquei no gelo não era a sua ‘praia’ e a trocou pelo futebol no gelado território russo, cujo inverno registra temperaturas de 30 graus negativos. Aí, com 1,85m de altura, boa colocação, confiança na saída da meta, braços abertos e mãos enormes encolhia o ângulo do atacante adversário. E diferentemente da maioria dos goleiros que cai antes do arremate, ficava sempre de pé e mostrava elasticidade no salto.

Essa categoria e o uniforme preto resultaram no apelido de ‘Aranha Negra’. Ele ganhou visibilidade a partir da medalha olímpica de 1956 e principalmente nas quatro Copas como jogador soviético, de 1958 a 1970. Se em 1962 falhou no empate em 4 a 4 com a Colômbia, redimiu-se quatro anos depois, quando foi um dos responsáveis pelo histórico quarto lugar na Inglaterra.

Ao encerrar a carreira em 1971, Yashin tentou treinar juvenis, mas acabou como professor de educação física até 1984, quando teve que amputar uma perna após problema circulatório. Dois anos depois foi vítima de um AVC (Acidente Vascular Cerebral), e em 1991 morreu por causa de um câncer no estômago.