segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Dorval, boleiro da noite

O folclórico ex-centroavante Dadá Maravilha estava cheio de razão quando eternizou a frase “uma coisa é uma coisa; outra coisa é outra coisa”. Se nos gramados, há 50 anos, o ponteiro-direito Dorval foi aplaudido pelo futebol ágil e veloz, convenhamos que agora fiscais de portaria da FPF (Federação Paulista de Futebol) não têm a obrigação de reconhecê-lo e distingui-lo dos demais torcedores, franqueando o acesso dele em estádios de futebol.
Em abril passado, quando o time do Santos decidiu o título do Campeonato Paulista contra o Santo André, a mídia alardeou que Dorval havia sido barrado por homens da FPF quando tentava entrar no Estádio do Pacaembu, e que foi preciso a intervenção do presidente do clube, Luís Álvaro de Oliveira. Chateado com a situação, Dorval lembrou que em outras ocasiões teve que pegar fila e comprar ingresso. “Dá pra acreditar? Não é pelo dinheiro do ingresso. Será que por tudo que os ex-jogadores fizeram pelos clubes não mereciam ter esse privilégio?”
Justo seria se a própria FPF e a CBF (Confederação Brasileira de Futebol) expedissem credenciais a ex-atletas de futebol com relevantes serviços prestados em seus clubes, para que tenham livre acesso nos estádios. Evitaria constrangimentos.
Dorval Rodrigues, nascido em Porto Alegre (RS), foi mais um dos boleiros que fez história no futebol pela obstinação. Na adolescência foi engraxate antes de ser aprovado em testes no juvenil do Grêmio (RS). A profissionalização ocorreu no extinto clube gaúcho Esporte Clube Força e Luz, aos 17 anos de idade. Aos 19 anos desembarcou em Santos sabendo que de imediato não substituiria Alfredinho Sampaio. Assim, concordou com o empréstimo do passe ao Juventus, para se familiarizar com o futebol paulista.
Ainda em 1957 assumiu a camisa sete do Peixe. Posteriormente integrou o melhor quinteto ofensivo do futebol mundial de todos os tempos: Dorval, Mengálvio, Coutinho, Pelé e Pepe. Eles tiveram participação decisiva na conquista do bicampeonato mundial interclubes do Santos, no biênio 62-63, época em que editores de jornais priorizavam publicações de fotos posadas de equipes a flagrantes de lances ilustrativos. E naquelas fotos, quando Dorval geralmente aparecia sentado na bola, as variações de jogadores se incidiam mais na lateral-direita com Olavo, Ismael e Lima. A defesa era completada com Mauro, Calvet e Dalmo. Zito era o volante, por vezes substituído pelo coringa Lima.
Naquele período o Santos jogava em intervalos até inferiores de 48 horas, para cumprir agendas de excursões no exterior. A rigor, o que Dorval mais sentia falta do Brasil naquelas viagens era a ‘trégua’ forçada da vida de boêmio. Como na época treinava-se apenas no turno vespertino, o sono perdido nas madrugadas era compensado durante as manhãs. E Dorval confessa que ainda hoje, aos 74 anos de idade, gosta de baile da saudade.
Em 1964, o passe do ponteiro foi negociado com o Racing da Argentina. Na despedida da Vila Belmiro, confessou a decepção por não ter disputado uma Copa do Mundo. “Em 1962, eu e o Garrincha éramos os melhores pontas do país, mas só ele foi convocado pelo técnico Aimoré Moreira”, lamentou, ficando o histórico de apenas 13 partidas pela Seleção Brasileira. Um ano antes, paradoxalmente, Dorval foi incumbido de marcar Mané Garrincha após expulsão do lateral-esquerdo Dalmo, do Santos, em partida contra o Botafogo (RJ). “Dei conta do recado”, gabou-se o jogador santista.
Com o calote parcial da dívida do Racing, o Santos recebeu Dorval de volta em 1965, e lá ele ficou por mais dois anos. Depois teve rápida passagem pelo Palmeiras e queimou os ‘últimos cartuchos’ no Atlético (PR) até 1971.
Dorval ainda precisa trabalhar para garantir o seu sustento. Sua atividade é orientar garotos de até 16 anos de idade no Clube Escola Temático de Futebol Ferradura, no bairro do Jabaquara, na capital paulista. E os fundamentos principais que ensina são chute e passe.

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