segunda-feira, 17 de agosto de 2009

‘Deu zebra', invenção de Gentil

O pernambucano Gentil Alves Cardoso jamais poderia prever que a junção verbo e substantivo “deu zebra”, que criou para caracterizar resultado inesperado de um jogo de futebol, transcendesse seu meio. A expressão é usada invariavelmente em todos os segmentos.
O espirituoso Gentil Cardoso inventou “deu zebra” quando clubes de futebol pequenos do Rio de Janeiro ganhavam dos grandes na década de 40. Por que zebra? Oras, porque ela não faz parte do jogo de bicho. É uma estranha na jogada.
Saudosistas dividem opiniões sobre a competência de Gentil como treinador. O que não se questiona é que foi um dos maiores, senão o maior, frasistas do futebol brasileiro. Ainda ecoa a sacada para que boleiros trabalhem a bola no chão: “A bola é de couro, o couro vem da vaca, e a vaca gosta de grama; então, jogue rasteiro meu filho”. Ou a frase imortalizada alertando que “quem se desloca recebe, quem pede tem preferência”. Essas frases e a palavra cobra, para qualificar o jogador clássico, foram invenções dele.
Gentil morreu há 37 anos. Ao entrar no Hospital Central da Aeronáutica, no Rio, bem humorado, recomendou: “Doutor, estou entrando na vertical. Vê se não saio na horizontal, porque técnico de futebol não pode trabalhar nessa posição, não fica bem”. E saiu de lá para o cemitério, deixando uma biografia de migrante negro vitorioso. Antes da bola foi engraxate, garçom e motorneiro. Nunca foi jogador, e mesmo com o indisfarçável racismo da época ingressou na função de treinador do Bonsucesso em 1931. A partir daí, com o inseparável boné xadrez, ficou marcado como personagem folclórico, e copiado pela “treinadorzada”. Quando apitava treino, dizia abertamente que reservas não ganhavam dos titulares. Se o caldo engrossava, arrumava um pênalti “mandrake” e acomodava a situação. E a justificativa estava na ponta de língua: “Bola na bunda de time pequeno é pênalti”.
Em 1939, conciliando a função de tenente da Marinha à de treinador, comandou o Rio-grandense (RS). Seu reino encantado, no entanto, era o Rio de Janeiro, e intercalou passagens pelos grandes clubes daquele Estado. Em 1946, contratado pelo Fluminense, deu um recado aos cartolas logo na chegada: “Se vocês me derem o Ademir (de Menezes), eu lhes darei o campeonato”. Dito e feito. O ex-vascaíno marcou o gol do título contra o Botafogo.
Nos anos 50, treinando o Botafogo, lançou o ponteiro-direito Mané Garrincha. Na época fazia uso de megafone para se comunicar com os jogadores durante os treinos. Em seguida voltou a Recife, em troca de bons contratos, para comandar Sport, Santa Cruz e Náutico. E nos três clubes levantou o caneco. No futebol paulista treinou Ponte Preta e Corinthians. Passou ainda por Nacional do Equador e Sporting de Portugal.
De volta ao Vasco, nos anos 60, estimulava a boleirada a cantar músicas de Roberto Carlos e Erasmo Carlos.

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