segunda-feira, 13 de abril de 2009

Futebol e as suas metáforas

Por Élcio Paiola (interino)

Desde mil novecentos e bolinha brinca-se muito com o futebol. Veja bem, a brincadeira em questão nada tem a ver com trapalhadas de cartolas sem escrúpulo que espezinham torcedores. Trata-se de uma brincadeira sadia que o transforma no segundo segmento mais abusado de metáforas no país. Nesse ranking, perde apenas para os bordões do banditismo, correto?
O futebol é tão singular a ponto de um “boleiro” alertar o companheiro da aproximação de ladrão, sem que haja reação intempestiva de quaisquer das partes. Diferentemente do ladrão que se apodera de objetos e dinheiro da vítima, o ladrão do futebol só desarma o adversário.
Locutores de rádio vão além durante transmissões de jogos ao citarem que fulano “bateu a carteira” de sicrano. E, em outras situações, identificam chute de longa distância como do meio da rua, como se gramado fosse pavimento asfáltico. E quando o lateral tem espaço para avançar, citam que há um corredor ou uma avenida à frente.
Esse metafórico futebol transforma zagueiro de caixa torácica avantajada em armário ou guarda-roupa. Quando toda musculatura é bem desenvolvida, citam que é um cavalo. Curioso é que isso inspirou frasistas de plantão a rotularem mulher de cintura fina, coxas grossas e bunda bem formatada de "cavala".
O reino dos animais emprestou outras metáforas ao futebol. Quem opta por marcação implacável sobre um adversário é um carrapato ou mordedor, sem que se faça alusão direta a um cão.
Só na bola o matador é ovacionado. Por causa da responsabilidade de marcar gols e decidir partidas tem salário mais robusto que os companheiros. Claro que esse matador se irrita quando depara com zagueiro que mata a jogada, expressão atribuída àquele que abusa dos lances de falta.
Jogador com essa característica costuma ser apelidado de xerifão e não se constrange de chutar a bola de bico para tirá-la das imediações de sua área. Chutar de bico, na linguagem de boleiro, é injeção.
Chute muito forte é conceituado como canhão. O ex-ponteiro-esquerdo Pepe, que furava a rede adversária nos tempos de Santos, nas décadas de 50 e 60, ainda é chamado de “Canhão da Vila”. Chute de curva com a parte externa do pé é o tal de três dedos. Nesse quesito, o ex-lateral-direito Nelinho, que jogou no Cruzeiro e Atlético (MG), foi quem mais se aproximou da perfeição.
A bola inspira poetas do futebol a intermináveis metáforas. O passe com muita força é ironizado como "tijolo". O craque alisa, acaricia ou penteia a bola, enquanto cabeça-de-bagre (jogador fraco) judia dela. O jogador que abusa de dribles improdutivos é aquele que amarra a bola.
Décadas passadas, tecnocratas do futebol inventaram a tal de segunda a bola, que nada mais é do que a bola do rebote. E goleiro que a rebate para o interior de sua área é chamado de mão de pau.
Quem observa atacante se deslocar frequentemente pelas extremidades do campo talvez desconheça que o comandante o orientou a fazer o "rabo de vaca". Por que rabo de vaca? Só tem uma explicação: ela balança o rabo para os dois lados.
Outros tempos, e em algumas regiões do país, técnico de futebol também era chamado de químico por causa das mexidas imprescindíveis em sua equipe. E o "químico" Otacílio Pires de Camargo, o Cilinho, inovou em cobranças de escanteios do adversário. Em vez de dois, posicionava três jogadores de seu time no ataque, justamente para evitar que zagueiros contrários fossem à sua área para cabecear.

Nenhum comentário: